Vote-a-rama!”: Com este título surpreendente, a edição anual de The Economist de Londres sobre “The World Ahead 2024” (publicada originalmente a 18 de Novembro passado) anunciava um número recorde de eleições no mundo em 2024:

“Em 2024, vão ocorrer mais de 70 eleições em países que em conjunto contam com cerca de 4,2 mil milhões de pessoas – pela primeira vez, mais de metade da população mundial. […] Eleições por todo o mundo, com mais eleitores do que alguma vez ocorreu no passado, vão colocar no centro das atenções o estado global da democracia.” (p. 9).

A descoberta, desvendada pela Economist em Novembro, tem sido desde então amplamente retomada pela melhor imprensa internacional e também nacional. E as inúmeras referências mais recentes têm também dado eco às preocupações originais da Economist. Com efeito, logo a abrir a referida edição, vinha um artigo com título bombástico: “Democracy in Danger” (p. 11):

“No entanto, apesar de irem ocorrer mais votações do que alguma vez no passado, não haverá necessariamente mais democracia: muitas eleições não serão livres nem leais. […] Muitas reforçarão governantes iliberais. Outras recompensarão os corruptos e incompetentes. De longe a mais importante, a eleição presidencial na América, poderá ser tão venenosa e polarizadora que poderá ensombrar a política global”.

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Subscrevo inteiramente os alertas de The Economist, que têm aliás sido retomados pela melhor imprensa internacional e nacional. Gostaria, por isso, de sugerir três temas que julgo fundamentais para a reflexão sobre o futuro da democracia em 2024.

Em primeiro lugar, os 50 anos do 25 de Abril em Portugal. Não foi apenas a queda de uma patética e suburbana ditadura ibérica, olhada com desdém condescendente pelas civilizadas democracias europeias. Foi também o início da 3ª Vaga da Democratização à escala mundial, como inesquecivelmente a designou o célebre Professor de Harvard, Samuel P. Huntington.

“A terceira vaga de democratização que começou em Portugal viu a democratização mundial ocorrer muito mais rapidamente e numa escala muito maior do que as duas vagas anteriores. [Antes da revolução portuguesa], menos de 30% dos países eram democracias; agora [em 1997], mais de 60% têm governos gerados por alguma forma de eleição aberta, leal e competitiva”.

A passagem que acabo de citar é retirada da intervenção de Samuel Huntington na série de (13) conferências “The Democratic Invention”, que teve lugar em Washington, DC em 1997/98. Esta série replicou a série original de (14) conferências com o mesmo título, “A Invenção Democrática”, que tive o privilégio e o prazer de coordenar em 1996/97, na inauguração da Fundação Mário Soares.

Mário Soares – e, se me permitem, também sua mulher, Maria Barroso – são os nomes incontornáveis a citar de imediato. [este é humildemente o meu segundo ponto]. Disse também Samuel Huntington:

“Mário Soares e os seus colegas mostraram que Kissinger estava enganado. Em Portugal, os Kerensky venceram, a democracia foi consolidada e Mário Soares veio a ser eleito Primeiro-Ministro e depois Presidente da República. A terceira vaga de democratização que Portugal iniciou criou literalmente a era da democracia, na qual pela primeira vez na história mais de metade dos países no mundo têm alguma forma de governo democrático”.

Acontece, por feliz coincidência, que em 2024 celebramos também o centenário do nascimento de Mário Soares e de Maria Barroso.

Em terceiro lugar, Last but certainly not least, acontece também por feliz coincidência que em 2024 celebraremos os 150 anos do nascimento de Winston Churchill (1874).

Foi o defensor incansável da democracia liberal, contra os populismos revolucionários do cabo Hitler (líder do partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães), do socialista-fascista Mussolini, dos comunistas Trotsky e Stalin.

É importante agora perguntar: como é possível juntar Churchill — um aristocrata conservador — com Mário Soares — um socialista democrático?

Trata-se de uma excelente ilustração da Invenção Democrática que devemos celebrar em 2024: ambos defenderam a soberania do Parlamento, fundada na leal concorrência entre propostas e partidos rivais, sob a igual proteção da lei. E ambos fizeram questão de honrar e respeitar os seus rivais. Churchill venceu a guerra em Maio de 1945 – e perdeu as eleições em Junho para os Trabalhistas, passando ordeiramente a sentar-se na bancada da Leal Oposição. Mário Soares fez questão de integrar nas suas conferências sobre A Invenção Democrática o seu rival Freitas do Amaral.

Celebremos pois em 2024, acima de tudo, o Pluralismo Civilizado da Invenção Democrática.