1Já tudo terá sido dito sobre as eleições do passado dia 10 de Março – ainda que, como observou a clássica voz tranquila de António Barreto aos sábados no jornal Público, em rigor não tenhamos ainda os resultados finais globais. Estão ainda por contabilizar cerca de 400 mil votos da emigração, que correspondem a 4 deputados. Gostaria nesta oportunidade de expressar o meu mais sentido respeito e admiração pelos nossos lusitanos emigrantes.

Como argumentarei adiante, talvez fosse de aproveitar estes poucos dias de espera para reflectir sobre a democracia – sobretudo tentando re-aprender com os seus Príncipes, que neste artigo nomearei, a propósito de livros recentes, como Mário Soares, Francisco Lucas Pires e Aníbal Cavaco Silva. (Outros poderiam seguramente ainda ser nomeados, como António Ramalho Eanes, Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Freitas do Amaral ou Francisco Salgado Zenha, sem esquecer a Princesa Maria de Lourdes Pintasilgo).

2 Ainda assim, como António Barreto também assinalou, é de saudar o debate muito vivo e estimulante que tem vindo a ocorrer sobre a interpretação dos resultados eleitorais (embora parciais). Este debate é expressão da liberdade pluralista inaugurada há 50 anos pelo 25 de Abril de 1974 – e crucialmente corroborada pelo 25 de Novembro de 1975.

Outra fundamental expressão muito encorajante desta tradição liberal e democrática lusitana foi, sem sombra de dúvida, a elevada taxa de participação eleitoral – a mais elevada dos últimos 30 anos.  E, last but certainly not least, foi muito democraticamente marcante a atmosfera pacífica, educada e respeitosa que marcou o acto eleitoral em todo o país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

3Dado que — como comecei por referir acima, citando António Barreto — ainda nos falta contabilizar cerca de 400 mil votos e atribuir 4 deputados, eu não gostaria de entrar por enquanto no intenso debate já em curso sobre a interpretação dos resultados e sobre as desejáveis soluções governativas. Mas não posso deixar de exprimir o meu cepticismo quanto à literal chuva de comentários sobre os resultados eleitorais de um partido chamado Chega (espero estar a dizer o nome certo).

Com o peso da idade, receio não achar esses resultados tão inovadores ou/e surpreendentes como está a ser descrito por boa parte dos comentadores. Ainda sou do tempo do aparecimento “bombástico” do PRD (Partido Renovador Democrático), em 1985, com um milhão de votos, anunciando o fim do bipartidarismo nacional entre PSD/CDS e PS (sobretudo ameaçando este último).

Escrevi na altura longamente sobre o tema (tinha nessa época uma crónica regular no Jornal de Notícias do Porto, a seguir no Expresso). E longamente argumentei na altura que um partido “contra os partidos” e “pela ética” não era propriamente uma proposta política consistente e duradoura numa democracia liberal e parlamentar – ainda que pudesse ter, como teve, um surgimento retumbante com mais de um milhão de votos. (O lema era então muito semelhante ao “Portugal precisa de uma limpeza” do actual Chega – ainda que o PRD fosse um partido com boas maneiras).

A verdade é que, nas eleições antecipadas de 1987 – que o Presidente Mário Soares muito justamente convocou na sequência de uma moção de censura PRD-PS-PCP contra o Governo de Cavaco Silva – o PRD praticamente desapareceu. E Cavaco Silva inaugurou a sua primeira de duas maiorias absolutas governamentais (às quais se iriam seguir mais tarde duas maiorias absolutas presidenciais). Em suma, o bipartidarismo acabou saindo amplamente reforçado pela vontade tranquila e moderada dos Portugueses, inspirada pela moderação e boas maneiras dos Príncipes da nossa democracia.

4E simplesmente acontece que temos três livros recentes sobre três desses grandes príncipes da democracia lusitana – que talvez pudéssemos visitar tranquilamente nestes próximos dias e que talvez nos pudessem ajudar no debate sobre as soluções parlamentares para os recentes resultados eleitorais.

Começo pelo livro mais recente, publicado há poucos dias pela Dom Quixote sob o título O Príncipe da Democracia: Uma Biografia de Francisco Lucas Pires, da autoria de Nuno Gonçalo Poças. É um livro excelente, que me recordou, entre muitas outras coisas marcantes no percurso de Lucas Pires (que tive o privilégio de conhecer pessoalmente), a sua corajosa introdução do conceito de “Direita Liberal” no panorama político-intelectual lusitano.

É importante recordar que o conceito/expressão “liberal” era na época anátema à direita bem como à esquerda na nossa cultura política. Por essa magna razão, como explica o excelente biógrafo, Nuno Gonçalo Poças, essa corajosa inovação “Direita Liberal” de Lucas Pires teve sobretudo razões filosóficas e intelectuais – não  mesquinhos propósitos imediatos e eleitoralistas. Essa coragem intelectual fez dele sem dúvida um dos nossos “Príncipes da Democracia”.

5 Mas, em rigor, foi Cavaco Silva quem implementou em Portugal políticas económicas inovadoras liberais, que  permitiram ao país tornar-se “o melhor aluno da Europa”. Mais uma vez, isso não foi feto com base em cálculos eleitoralistas, mas em convicções profundas e em sólida formação académica. Um muito impressionante testemunho disso mesmo poderá ser encontrado no recente livro de Cavaco Silva O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar  (Porto Editora).

6 finalmente, temos o incontornável clássico de Mário Soares, Portugal Amordaçado , que acaba de ser reeditado pela Imprensa Nacional)  e foi formalmente lançado na Fundação Gulbenkian há poucos dias. É, sem qualquer dúvida o nosso primeiro príncipe da democracia.