Pronto, agora que o Campeonato do Mundo de futebol acabou para a selecção portuguesa, é possível que o país volte àquela periclitante normalidade a que o governo da «geringonça» acabou por nos habituar. Isto talvez nos permita ver melhor qual é a situação conjuntural do país perante a proximidade das eleições legislativas do ano que vem, bem como as questões estruturais que pouca esperança há de ver melhorar em breve, tudo isso no contexto da elevadíssima incerteza e insegurança que vigoram à escala internacional.

Com efeito, o novo líder do PSD parece já ter oferecido os seus futuros votos ao PS, caso este decida renunciar aos do BE e do PCP, ou mesmo que não renuncie, e que António Costa decida jogar com os dois lados da balança, garantindo o centro do jogo político: ora à direita, ora à esquerda! Aqueles que ainda crêem no «centrão» para levar o país por diante, como aconteceu há 20 e tal anos com o último governo Soares (1983-85), que nos fez entrar na então CEE, hoje UE, já não devem ser muitos mas ainda podem esperar que tudo continue na mesma. É isso que o PS pretende: agitar-se sem sair do mesmo sítio. Em suma, sem políticas; apenas expedientes.

Há poucas «chances», porém, que o barquinho de remos lusitano se aguente nas ondas agitadas da prolongada crise geral de valores, ideias e objectivos que estamos a atravessar desde o apregoado fim da recessão económico-financeira. A eleição de Donald Trump para presidir ao país mais rico e poderoso do mundo é certamente um acelerador da crise mas a sua chegada ao poder já era, por sua vez, uma consequência desse desestabilizador que foi e continua a ser uma década contínua de recessão. Do mesmo modo, a eleição de um Lopez Obrador no México é uma consequência da eleição de Trump, como peões que caiem e se levantam de novo. Entretanto, a retoma já está claramente a abrandar e Portugal nem sequer recuperou o PIB per capita de 2007…

A divisão do mundo em «bons» e «maus», que se tornou habitual com a crise, bem como o recurso à «moralização» e ao «politicamente correcto» para tentar repor uma ordem internacional que garantisse a paz e o crescimento, assim como a convergência económica entre os países, não têm levado a lado nenhum. Isso é especialmente verdade na zona euro, onde não só os objectivos como também os meios para os atingir são iguais para todos os países membros, e não uns para os cumpridores e outros para os que fogem às regras aprovadas, como a Grécia, Portugal e não só.

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A questão do proteccionismo alfandegário – uma ideia que caíra em desuso há décadas – é evidentemente uma resposta à globalização esgrimida por Trump a fim de corresponder aos seus eleitores, tal como o Brexit, e está a alastrar a todos os nacionalismos, que agora preconizam o equivalente humano do proteccionismo que é o fechamento das fronteiras. O chamado «problema dos «refugiados» é paradigmático. Ele não só tem também que ver com a crise internacional generalizada, como não se resolverá enquanto fôr encarado unicamente como um problema humanitário, conforme pretende uma alegada esquerda que só visa, muitas vezes, minar por dentro a UE, bem como cada um dos países de acolhimento, onde já vivem e trabalham milhões de pessoas originárias de outros países.

Se é indiscutível que os actuais foragidos do Médio Oriente e do Norte de África possuem direitos, em princípio os seus países de origem é que deveriam garantir esses direitos. As migrações são, como agora se repete diariamente, parte integrante da história da humanidade. Todavia, numa época em que as deslocações humanas atingiram os volumes e os riscos actuais, é difícil, se não impossível, garantir direitos a todas essas pessoas, em especial quando a desordem político-económica vigora a nível internacional.

Uma vez mais, o problema é verdadeiro mas também é, simultaneamente, causa e consequência da crise. Por isso é tão difícil de resolver e, por isso também, é tão fácil e perigoso culpar a xenofobia, especialmente num país como Portugal, que foi sempre muito melhor a exportar colonos e emigrantes do que a recebê-los. É importante reflectir no facto de este choque cíclico entre globalização e proteccionismo não estar resolvido e ser difícil vê-lo como uma guinada do grande capital internacional, conforme costuma alegar a esquerda, e não uma grave e profunda crise civilizacional que condiciona os próprios capitalismos.

Neste sentido, só se pode lamentar a misturada completa que o actual governo faz entre os direitos dos «refugiados» que não nos procuram e a promessa de 75.000 imigrantes que supostamente viriam para Portugal – quando, no próximo ano? – a fim de resolver o nosso problema demográfico. Isso exemplifica a vacuidade total dos «slogans» baratos com que são tratadas questões desta envergadura. A pouco mais de um ano das eleições, em plena desordem internacional, o governo não faz mais do que camuflar a sua falta de capacidade para enfrentar o envelhecimento da população, o custo da saúde e das pensões, o peso dos impostos indirectos, não vendo que isso impede o país de manter o mesquinho crescimento de que se tem gabado.