As primeiras manifestações da «maioria absoluta» reivindicada pelo PS confirmam os abusos do poder que eram de esperar, aliás deste como da maioria dos outros poderosos. Só que essa ideia de «ditadura parlamentar» é cada vez mais perniciosa, dado o facto que tenho sublinhado muitas vezes de a representação parlamentar dos partidos concorrentes se ter vindo a tornar cada vez menos proporcional.
Com efeito, desde as «maiorias absolutas» de Cavaco Silva, sustentadas por 50% do eleitorado entre 1985 e 1995, a proporcionalidade das representações partidárias maioritárias tem vindo a baixar regularmente desde então, para 45% com Sócrates no nefasto ano de 2005, e agora uns escassos 41,5% arrancados a ferro pelos votantes da «geringonça», muitas centenas de milhar dos quais se mudaram do PCP e do BE para o PS, mostrando que a ideologia é menos importante do que o poder!
Aí está, pois, a «absoluta maioria» que o líder da defunta geringonça, António Costa, exigia para continuar a governar, ou seja, aquilo que é justo qualificar como uma «ditadura parlamentar». De resto, não muito diversa do autoritário «Partido Democrático» do tempo da República, o qual acabou por conduzir à ditadura militar (1926) e, a seguir, ao «Estado Novo» salazarista (1933): a história político-partidária nacional nunca se deu muito bem com a democracia parlamentar…
Com efeito, aquilo que se tem vindo a ver desde o 25 de Abril é que são cada menos os votos necessários para constituir uma maioria designada como «absoluta». Eis o primeiro resultado da manobra política que levou o presidente da República e o primeiro-ministro a dissolverem o parlamento de 2019. Note-se que a «geringonça» (PS+PCP+BE) teve então em conjunto mais de 52% dos votos quando os mesmos apenas obtiveram agora 50%. Por outro lado, se é verdade que o PS tem mais deputados, a verdade é que teve menos votos. Agravou-se, pois, a desproporcionalidade da representação política.
Lamentavelmente, nem o BE, nem tão pouco o PCP, colocaram a questão da representação proporcional, mas deles já sabíamos que não eram democratas… e afinal o PS também não é tanto como isso… A prova evidente da representatividade cada vez menor do sistema eleitoral português é o confronto dos dois deputados eleitos no distrito de Portalegre pelo PS com apenas 25 mil votos e o desbarato de quase 100 mil eleitores do CDS que não elegeram deputado algum: só isso basta para mostrar que a maioria do PS poderá ser «absoluta» mas não é proporcional nem representa, portanto, a realidade política do país!
A cereja em cima do bolo é a baixa comédia eleitoral que o governo cessante – suspenso até à finalização do escrutínio – desencadeou entre os emigrantes residentes na Europa, de cujos votos o partido já não precisava e portanto mandou deitar fora… Em resposta, para gáudio dos partidos vencidos e em especial do PAN, que tinha hipótese de eleger um deputado no círculo europeu, o Tribunal Constitucional entendeu mandar repetir a votação contra a vontade do governo. Como resultado disso, não só se atrasará a tomada do poder pelo PS como, provavelmente, se provocará entre os emigrantes um abstencionismo maior ainda do que de costume!
As regras outrora improvisadas para criar dois círculos pretensamente representativos da «diáspora» são outras tantas aberrações. Entre elas, prima a bizarra ideia atribuída pelos autores da «lei» aos portugueses maiores de idade residentes no estrangeiro de eleger 4 deputados para 1,5 milhões de eleitores… quando no território nacional se atribuem 230 deputados a uma população reconhecidamente exagerada de 9 milhões de eleitores inscritos… Como se vê, reina a confusão entre o número de votantes e de eleitos, que cada vez coincidem menos!
Quanto à dimensão da tarefa que o próximo governo terá de encarar, sem outra boleia além do PR, é imperativo ter presente a revolução económico-financeira que aí vem e à qual o governo cessante fechou os olhos. Com efeito, apesar do dinheiro dado a custo zero pela UE, Portugal não escapará à escassez de bens indispensáveis, nomeadamente as várias fontes de energia cujos preços estão a explodir.
O país não escapará à interrupção das cadeias de valor e ao fechamento corporativo e proteccionista da economia, nem tão pouco à generalização da inflação. Esta começou antes de a pandemia irromper mas já atingiu o juro da dívida usada até aqui, entre outras rubricas, para colmatar a desvalorização dos salários e das reformas. Não é à toa que o governo cessante já começou a falhar promessas e a atrasar prazos, invocando a repetição da eleição na Europa e o adiamento da tomada de posse da alegada «maioria absoluta», como se os problemas do país fossem só esses. Ora, comparável aos erros das sondagens e das eleições, com o PS só as estimativas económicas e financeiras.