O Supremo Tribunal do Reino Unido decidiu, nesta quarta-feira, que o Parlamento da Escócia (Holyrood) não possui competências e poder para legislar quanto ao referendo sobre a independência escocesa (indyref2), sem que o Parlamento britânico (Westminster) e o governo britânico concedam permissão para que tal suceda. A questão sobre a constitucionalidade de Holyrood poder avançar ou não com o projeto de lei para a realização de um novo referendo, sem a autorização de Westminster, surgiu pelas mãos de Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia e líder do Partido Nacional Escocês (SNP), numa tentativa de esclarecer a possibilidade de legislar sobre a matéria, baseada na Lei da Escócia de 1998.
A decisão dos juízes do Supremo Tribunal do Reino Unido foi unânime, justificando que o conteúdo apresentado pelo governo escocês se encontra assente em assuntos reservados (reserved matteres) a Westminster e, segundo o presidente do tribunal, Lord Reed, a realização do referendo “teria consequências políticas na relação com a união e com a soberania do Parlamento do Reino Unido sobre a Escócia”, acrescentando que “fortaleceria ou enfraqueceria a legitimidade democrática da união”. Ceifar o direito a uma consulta popular deslegitima os princípios básicos democráticos da própria união, não só porque a ideia do projeto de lei apresentado pela Escócia teria apenas o objetivo inicial de averiguar o desejo da sociedade escocesa pela independência – e só posteriormente realizar-se-iam negociações –, mas igualmente porque a ideia de uma união voluntária esmorece no seio do Reino Unido.
A união entre a Escócia e a Inglaterra, com mais de 300 anos, procedeu de forma progressiva – em 1603, ambos os reinos ficaram sob a égide do mesmo monarca e, só em 1707, a união parlamentar efetivou-se –, culminando com a abertura do parlamento escocês com a Lei da Escócia de 1998, após um referendo cujo objetivo foi a restituição de poderes (Devolution) que regressaram à alçada dos decisores políticos e da sociedade escocesa sobre economia, educação, transportes e assuntos legislativos, entre outros. No entanto, a questão legislativa possui as suas peculiaridades, já que o governo central tem o poder sobre as “reserved matters”, restringindo a Escócia a legislar sobre algumas questões, como a relação com a União Europeia, questões constitucionais e o tema do referendo sobre a independência.
A identidade nacional escocesa pode ser entendida por meio da confluência de múltiplas dimensões – sociedade, cultura, religião, política, economia etc. –, podendo-se analisar um passado histórico não só de se entender a Escócia nos dias de hoje, mas as suas ações enquanto sociedade e governo com poderes no seio de uma união que compõe o Reino Unido. Relacionada com as estruturas democráticas da sociedade escocesa, concedeu igualmente uma legitimação relevante para que o desejo independentista da região prosseguisse. Porém, essa questão possui uma conotação mais política do que de lei porque, com um Reino (des)unido, as implicações para o governo britânico somar-se-iam aos escândalos consecutivos e inerentes ao Partido Conservador britânico – é razão para que os últimos primeiros-ministros britânicos tenham sempre recusado os pedidos do governo escocês para a convocação de um novo referendo sobre a independência, por intermédio da secção 30 da Lei da Escócia de 1998.
Quer o primeiro referendo sobre a independência escocesa – 44,6% (a favor), 55,2% (contra) –, ocorrido em 2014, quer os resultados da região sobre o referendo do Brexit – 62% (permanecer na UE) contra 38% (deixar a UE) – têm viabilizado o aumento da ideia de uma identidade nacional (o que é ser escocês) e, consequentemente, o crescimento do debate sobre a própria independência, bem como os possíveis impactos de uma desunião com um Reino Unido que já se encontra frágil e débil.
Pouco depois da decisão do Supremo Tribunal, Nicola Sturgeon comentou que, para além de “desapontada”, respeita a decisão, porém a primeira-ministra “expõe o mito” – e argumento defendido por unionistas e pelo governo do Reino Unido – de que se trata de uma união de colaboração/parceria voluntária: “uma suposta parceria na qual um dos parceiros tem negado o direito de escolher um futuro diferente – ou mesmo de fazer a si mesmo a pergunta – não pode ser descrita de forma alguma como voluntária ou mesmo como uma parceria. Portanto, esta decisão confirma que o conceito do Reino Unido como uma parceria voluntária de nações não é mais, se é que alguma vez foi, uma realidade. E isso expõe uma situação que é simplesmente insustentável”. A decisão do Supremo Tribunal britânico veio dar, de facto, a resposta inequívoca de que a união do Reino Unido não é voluntária e que a autodeterminação e os desejos democráticos das nações que compõem o Reino Unido, e neste caso a Escócia, não são respeitados.
Uma sondagem recente revela que mais de metade dos escoceses (cerca de 51%) votaria no Partido Nacional Escocês em apoio à independência, por forma a permitir encetar as negociações com o governo do Reino Unido. Nesse sentido, Nicola Sturgeon reforçou, nesta quarta-feira, a ideia apresentada em junho: o SNP usará as próximas eleições gerais do Reino Unido (previstas para 2024) como um referendo sobre a independência escocesa, por forma a que “a democracia escocesa não seja negada”.
Dessa maneira, a ideia do referendo, alicerçada no movimento independentista escocês, caracteriza-se pela sua integridade democrática, uma vez que a ação independentista não aceita e não recorre a ações extremas para alcançar o seu objetivo, mesmo após a decisão do Supremo Tribunal do Reino Unido, seguindo ditames democráticos.
(Texto redigido de acordo com o novo acordo ortográfico.)