1. Rui Rio terá que lidar com duas heranças de Passos Coelho. Em primeiro lugar, o sucesso dos resultados eleitorais de Passos será uma sombra sobre a liderança de Rio. Apesar da direita ter perdido a maioria absoluta em 2015, Passos Coelho ganhou duas eleições legislativas. De todos os líderes do PSD, só Cavaco Silva fez melhor. Depois das críticas que fez a Passos, nomeadamente depois das eleições autárquicas, Rio não pode fazer pior nas eleições legislativas em 2019 do que fez Passos em 2011 e em 2015. Ou seja, terá que ganhar as eleições de 2019.

Como todos se recordam, durante a campanha para a liderança do partido, Rio afirmou que estaria melhor colocado do que Santana Lopes para ganhar as eleições. O partido acreditou nele. Eis o contrato político entre Rio e os militantes do PSD: os militantes deram-lhe a liderança do partido; ele terá que vencer as eleições legislativas. Os grandes partidos lutam para ganhar eleições, e não para ficar em segundo lugar. E os militantes precisam de acreditar que os líderes os podem levar à vitória. No dia em que deixarem de acreditar nisso, o líder chegou ao fim. É a lei da vida democrática. Por isso, para salvar a sua liderança no PS, Costa aliou-se à extrema esquerda. Um hipotético bloco central em 2019 poderia servir a Rio para salvar a sua liderança do PSD, mas Costa nunca fará uma aliança com partidos à sua direita. Depois de 2015, Costa está condenado a fazer alianças com as esquerdas. A ousadia histórica da sua decisão não permite qualquer reversão. Não será Costa a salvar a liderança do novo presidente do PSD. Rio só contará com ele próprio.

A questão decisiva para Rio é a seguinte: como pode ganhar as eleições em 2019? Se não conseguir ir além de uma cópia social democrata do PS, os eleitores votarão no original e o PS conseguirá uma grande vitória eleitoral. Nem sequer precisará de uma maioria absoluta. O BE, com ou sem PCP, está disponível para continuar a ser a muleta dos socialistas. Para ser PM, Rio tem mesmo que conquistar uma maioria absoluta com o CDS. Mas só o conseguirá se construir uma verdadeira alternativa ao PS que convença os portugueses.

Chegamos assim à segunda herança de Passos, a qual também é complicada para Rio. O sarilho de Rio é fácil de explicar. Sob a liderança de Passos Coelho, o PSD construiu uma alternativa clara ao projecto socialista para Portugal, sobretudo no plano económico (e a economia tem sido decisiva para os resultados eleitorais). Em traços gerais, o PSD de Passos defendeu um Estado menor, mais eficaz e menos interventivo na economia, assim como o reforço da iniciativa privada e do mercado. Pretendeu reduzir a carga fiscal para as empresas, tal como diminuir a despesa pública de um modo consistente. Mas Rio tem rejeitado esta herança de Passos, considerando-a mesmo radical e “neo-liberal.” Aliás, toda a sua campanha foi construída à volta da rejeição do passado recente do PSD, em vez de procurar construir uma alternativa ao PS. Rio conseguiu assim fazer a sua vida difícil. Criticando em grande medida o legado doutrinal de Passos, Rio colocou-se na posição quase impossível de ser forçado a construir uma alternativa aos socialistas e, simultaneamente, à herança de Passos. Há lugar para uma terceira via para a política económica do país?

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No plano teórico, académico, talvez haja. Mas no plano político, julgo que será quase impossível. Há limites aos discursos e aos programas políticos e será muito difícil para Rio construir uma terceira via entre Costa e Passos. Além disso, as esquerdas nunca o permitiriam. As esquerdas unidas vão colar a qualquer alternativa ao modelo socialista proposta por Rio o rótulo de “neo-liberal” e “igual à direita de Passos.” A esquerda obrigará Rio a carregar a herança de Passos.

É aqui que o passado recente de Rio complica a sua vida à frente do PSD. Com as críticas ideológicas que fez a Passos e depois a Santana, Rio deu legitimidade às mesmas críticas que as esquerdas irão fazer contra ele. Por isso, não só estará fragilizado para as combater como passará grande parte do seu tempo a dizer que não é Passos Coelho. Só um milagre ajudará Rio a sair desta armadilha. Tudo teria que correr muito mal ao governo e ao país até 2019, para Rio poder ganhar. Ironicamente, Rio só poderia ser PM em 2019 se o diabo viesse mesmo. Mas o diabo não virá, pelo menos antes de 2019.

2. O orgulho gay chegou à direita. A propósito da entrevista de Adolfo Mesquita Nunes ao Expresso e da confissão da sua homossexualidade, muita gente na direita confessou orgulho. Eu gostei da entrevista, da parte biográfica, do que Adolfo disse sobre a sua relação com a política e da sua independência financeira dada pela advocacia, do modo profissional e moderno como encara a sua profissão, dos temas que elegeu para a campanha autárquica, e do estilo aberto, directo e tolerante. Mas há sobretudo dois pontos que apreciei particularmente. Primeiro, o sentido de humor e uma certa distância com que olha para a política. Na melhor tradição do conservadorismo irreverente, Adolfo Mesquita Nunes não se leva demasiado a sério. Na política portuguesa, é um caso raro e salutar. Depois, gostei muito de ver Mesquita Nunes confessar que é um liberal de direita (e a favor da globalização). Isso sim, é um acto de grande coragem num país como Portugal. Quantos políticos portugueses assumem que são liberais e de direita?

A naturalidade com que Adolfo Mesquita Nunes o fez reforça a esperança na direita portuguesa e no pluralismo ideológico no nosso país. Esta é para mim a grande marca e a grande virtude da sua entrevista. Lamento que muita gente na direita tenha ignorado o liberalismo de Mesquita Nunes e tenha sublinhado a sua orientação sexual. Mostra desde logo o modo como o discurso do Bloco de Esquerda está a colonizar muitos na direita. No plano politico, a defesa do liberalismo é muito mais significante. Se a sua entrevista ajudar a convencer que o liberalismo não é uma corrente radical e perigosa, Adolfo Mesquita Nunes terá prestado um grande serviço ao nosso país.