1 Zaporizhzhia, a maior central nuclear da Europa e uma das maiores do mundo, situa-se na margem sul do rio Dnipro. Dias após a invasão da Ucrânia, as forças russas procuraram assumir o controlo das instalações nucleares ucranianas, Chernobyl e Zaporizhzhia, tendo, a 4 de março, num acto sem precedentes, atacado e militarmente ocupado esta última. Felizmente, apesar do bombardeamento à central, não se verificou libertação de radiação. Contudo, Olexiy Kovynyevis, um especialista independente e ex-supervisor de reactores, afirmou que os projécteis russos não só atingiram os edifícios das turbinas, como também danificaram a fonte de alimentação externa, que, por pouco, não foi praticamente interrompida. No início de agosto, os russos voltaram a bombardear a central nuclear de Zaporizhzhia, causando danos nos elementos não radioativos da instalação, incluindo as linhas de energia.
Zaporizhzhia é uma central que utiliza urânio enriquecido através de seis reatores de água leve VVER. Apesar de terem sido projectados e construídos pelos soviéticos, são distintos dos quatro reactores de Chernobyl (RBMK moderados a grafite) e consideravelmente mais seguros e resistentes. Para além disso, Zaporizhzhia, também dispõe de um sistema de contenção secundário projectado para resistir a explosões e ao impacto de um avião. Não obstante, não há certezas quanto à capacidade de protecção, pois as paredes de contenção são de 1,2 metros de espessura enquanto os novos projectos já consideram uma espessura mínima de 2 metros.
Em períodos de funcionamento normal, Zaporizhzhia produz o dobro da electricidade que Chernobyl produzia. Cada um dos seus reactores tem uma capacidade de 950 MW. No início de agosto, três reatores estavam em funcionamento, dois dos quais ligados à rede de fornecimento de energia. É essencial que tal aconteça porque o material radioactivo é armazenado em tanques submersos onde o combustível usado é arrefecido, permitindo desse modo baixar os níveis de radiação e a sua posterior transferência para um depósito final. Ora, se houver perda do líquido refrigerante, seja pelo derretimento do núcleo por falta de energia, seja por algo que danifique as estruturas de contenção, como uma bomba, o aquecimento do combustível armazenado será inevitável. Atingindo os 900º C, teremos propagação e libertação de isótopos radioactivos. Os especialistas dizem que se houver uma explosão em Zaporizhzhia, as consequências serão 10 vezes maiores do que as registadas em Chernobyl.
Após a inspecção da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), sabemos que a integridade física da central de Zaporizhzhia foi violada várias vezes. Adicionalmente, existem sérias preocupações sobre as linhas de fornecimento de energia ao sistema de arrefecimento. Os combates intensificaram-se nos últimos dias e há relatos de ataques russos às torres de cabos eléctricos. Creio que não devemos desconsiderar a possibilidade de os russos não se preocuparem com uma explosão em Zaporizhzhia. Não é descabido recordar que foi através do Polónio 210 que Alexander Litvinenko foi assassinado no Reino Unido. A escala é um problema para Putin se isso significar o atingir dos seus objectivos?
O relatório da AIEA expressa a necessidade de uma perímetro de segurança e de protecção nuclear, assim como o cessar imediato dos bombardeamentos e ataques militares na área circundante. Só desejo que tal aconteça. Mas, até agora, nenhuma zona desmilitarizada não foi estabelecida.
2Os incidentes registados em centrais nucleares têm algo em comum. Resultaram de acidentes. Os únicos casos de explosões deliberadas foram as bombas de Hiroxima e Nagasáqui e os testes nucleares realizados por vários países. Por mais sistemas de segurança que existam, independentemente da causa, a possibilidade de um acidente é real. A libertação de material radioativo em Fukushima (2011), deveu-se aos danos causados por um tsunami nas instalações da central que desactivou simultaneamente o fornecimento de energia externa e os geradores de emergência da central.
O ponto é este. É diminuta a probabilidade de sermos afectados por uma explosão em Zaporizhzhia, mas acidentes acontecem. Espanha tem centrais nucleares e poderá verificar-se a queda de um satélite com um reactor nuclear no nosso país. Na eventualidade de se registar algo semelhante, qual é o nível de preparação do Estado português para lidar com os condicionalismos daí decorrentes?
Portugal dispõe de uma miríade de entidades com capacidade para lidar com eventos nucleares, radiológicos, biológicos e químicos (NRBQ). Entre outras, o Exército, a Força Aérea e a GNR. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), no Plano Nacional de Emergência de Proteção Civil, refere que as ameaças nucleares podem ocorrer pontualmente, acrescentando breves notas quanto aos procedimentos a adoptar.
Em outubro de 2021, foi realizado o Exercício CELULEX 21, nos distritos de Lisboa. Porto e Viseu. Contou com a participação destas entidades: Agência Portuguesa do Ambiente (1), Exército Português (2), Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto (3), Guarda-Nacional Republicana (4), Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (5), Instituto Superior Técnico (6), Polícia de Segurança Pública (7), Polícia Judiciária (8), Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa (9) e de militares do Exército espanhol (10). Todavia, a descrição do exercício aponta para uma resposta a uma ameaça biológica desconhecida e não a um acidente nuclear. Daquilo que consegui apurar, apesar das diferenças entre eventos NRBQ e incidentes com matérias perigosas (que envolvam equipas HAZMAT), estes é que usualmente são objecto de simulação. Fiquei com a sensação de que a eventualidade dum evento nuclear é desconsiderada.
Isto preocupa-me. É verdade que a hipótese de Zaporizhzhia é pequena, mas existe. A possibilidade de tal acontecer foi potenciada pelo clima de instabilidade que vivenciamos. Que fez o Governo português para acautelar tal situação? Tomou alguma decisão? Alocou verbas para esse fim? Nada se sabe. Ora, isso é inquietante. É sinal de que nada foi feito. Se há coisa de que o Governo gosta é de anunciar tudo e mais qualquer coisa. Incluindo o que não existe. E se esse acidente ocorrer em Espanha? As primeiras zonas a serem atingidas serão as fronteiriças. Que cenários são considerados para esse efeito? Que medidas existem?
A organização do Estado português é a antítese daquilo que devia ser. Apesar de alguma clareza na nossa Constituição, a subsequente organização da administração pública é tudo menos simples. E, infelizmente, a coisa socialista só tem provocado maior complexidade fazendo com que seja mais comum do que o desejável o atropelo de competências, atropelo esse que afecta a eficácia de liderança quando a mesma é mais imprescindível. Já tivemos vários exemplos disso.
Nenhuma reacção acontecerá sem a criação um centro de coordenação e de controlo que englobe as Forças Armadas e as entidades civis. Questiono-me se a ANEPC terá capacidade para liderar o processo? Mesmo se a causa resultar de um acidente em tempo de paz, julgo que a liderança deve ser das Forças Armadas.
Independentemente de tudo isto, há mais questões em aberto. Qual dos ramos das Forças Armadas deve liderar a coordenação? Não tenho dados suficientes para fazer uma sugestão.
Só posso esperar que o Governo esteja consciente destas eventualidades. Porém, da coisa socialista é melhor esperar o pior.