Soube-se na passada quarta-feira que a atual direção do PSD decidiu reter na sede nacional verbas devidas a distritais e concelhias, face a um passivo que terá como principal fonte a campanha eleitoral das últimas eleições autárquicas. Sendo que a situação financeira do PSD não é única no panorama nacional, pois tanto o PS como o CDS estão bastante pior (dados relativos ao ano civil de 2016), a questão não é tanto a necessidade de gerir o passivo (o que faz todo o sentido), mas a forma como se gere o passivo.

Ora, de acordo com as notícias vindas a lume, a forma que a atual direção decidiu utilizar para fazer a gestão do passivo é através de uma comunicação escrita (despacho) e declarando que poderá abrir excepções à retenção de verbas, pontualmente.

Sabendo-se que as estruturas distritais do partido não são responsáveis pela gestão política e operacional das eleições autárquicas – que compete às estruturas concelhias – o que poderá ter motivado esta penalização das mesmas? E será que é comum o governo, por decreto, de um partido político?

No caso específico do PSD, pelo que disseram dirigentes atuais e passados das estruturas distritais e concelhias, nunca no PSD tal aconteceu. Quando existem dificuldades financeiras, há um diálogo, casuístico e direto, entre a direção nacional e as estruturas locais, para procurar as melhores soluções, de forma consensual.

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Ora este é o ponto que me interessa realçar neste texto – Rui Rio tem dificuldades evidentes com o desenvolvimento de processos negociais com pessoas ou estruturas que o critiquem e a forma de responder às críticas desemboca em atitudes autoritárias.

Exemplos? Há vários. Destaco alguns:

Enquanto presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio foi criticado pelo Futebol Clube do Porto e por um grupo relevante de agentes culturais da cidade. Não vou elaborar sobre quem tinha ou não tinha razão. Mas destaco a resposta de Rui Rio.

Ao Futebol Clube do Porto, que nos seus mandatos foi, por diversas vezes, campeão nacional e também campeão europeu, fechou as portas da Câmara Municipal, quebrando a tradição de deixar o Clube festejar vitórias importantes, com os seus adeptos, a partir da varanda da Câmara, face à Avenida dos Aliados, ponto tradicional dos grandes festejos da cidade.

Para os agentes culturais da cidade que o criticaram, arranjou uma norma travão, relativamente aos apoios financeiros a atribuir pela Câmara – quem recebesse apoios, não podia criticar a Câmara.

No que respeita às críticas da comunicação social – nomeadamente, dos jornais Público e Jornal de Notícias – moveu uma guerra aberta às críticas por eles feitas, seja no site da Câmara, seja junto da ERC.

Quando o PSD decidiu candidatar Luís Filipe Menezes à Câmara Municipal do Porto, sendo que Rui Rio e Luís Filipe Menezes não se davam bem e publicamente se guerreavam, decidiu contribuir, de forma ativa, para uma candidatura fora do PSD – Rui Moreira.

O que é comum a todas estas situações? A má reação à crítica e a resposta autoritária.

Em todos estes casos, quer Rui Rio queira quer não, todos os visados por ele, com retaliações, tinham todo o direito de o criticarem. Estamos em democracia. A crítica, mesmo quando injusta, é livre.

Quem ocupa lugares públicos, tem o dever de perceber que não pode, de forma alguma, utilizar os poderes nos quais está cometido, contra aqueles que o criticam, desde que a crítica seja feita no âmbito do quadro normativo que garante a liberdade de expressão.

Rui Rio não podia fechar as portas da Câmara ao Futebol Clube do Porto, mas fechou. Não podia, porque, independentemente das suas disputas com o clube, as vitórias do FCP são dados objetivos que merecem reconhecimento público e o presidente da Câmara do Porto não é dono da Câmara, é apenas seu fiel depositário durante os seus mandatos. Ou seja,  a porta da Câmara, por obrigação institucional, tinha de ser franqueada. Mas não foi.

Rui Rio não podia exigir aos agentes culturais da cidade que o criticavam que se calassem se recebessem subsídios da Câmara Municipal do Porto. Porque, independentemente das críticas, o que tem de ser avaliado nos apoios que se atribui é os parâmetros que justificam o apoio público, em função da previsão constitucional do direito à criação e fruição cultural e da correlativa presença dos poderes públicos para cumprir esse desiderato. Nenhum responsável público, nacional ou local, pode fazer depender os apoios que atribui da simpatia ou antipatia de quem recebe apoios, e muito menos pode condicionar a liberdade de expressão em função dessa atribuição.

Rui Rio até podia ter razão quanto à injustiça das críticas do Público e do JN à sua ação política enquanto presidente da Câmara Municipal do Porto. Mas não se podia colocar ao nível da disputa pessoal com os jornalistas – porque os jornalistas, mais ou menos manipuladores, com mais ou menos sentido de isenção, têm o direito de se expressar. Os responsáveis públicos têm, legitimamente, a expetativa que os seus esforços e resultados sejam reconhecidos e ampliados pela comunicação social. Mas não podem entrar em guerra com a mesma se esta não faz o que eles esperam.

Rui Rio não podia boicotar as escolhas – legítimas – do seu próprio partido, para a candidatura à Câmara Municipal do Porto. Ele até podia ter razão, ao considerar o candidato Luís Filipe Menezes não era o melhor. Mas, uma de duas – ou aceitava, enquanto membro do PSD, que as legítimas instâncias do Partido pusessem em marcha as decisões que considerava erradas e se demarcava do processo, ou, se queria lutar contra essa escolha, só podia fazer uma coisa – deixar o PSD – e, com toda a legitimidade, lutar contra a escolha. Rui Rio optou por uma terceira via — ficar no PSD e estimular o boicote à candidatura do PSD.

Para concluir a lista de exemplos, chegamos ao dia de hoje: Rui Rio não podia determinar, de forma unilateral, que ia retirar meios financeiros às distritais do PSD.

Os partidos políticos são comunidades de pertença. Há ideais, projetos para a sociedade, que unem os seus militantes. Há uma história, um património. Claro que, em todos os partidos, há coisas a melhorar, comportamentos a condenar. Mas, neste caso em concreto, o que sobressai, mais uma vez, é uma atitude autoritária perante estruturas que têm criticado, publicamente, Rui Rio.

Nos vários exemplos que dei, Rui Rio estava sempre em posição preponderante para tomar as atitudes que tomou. Usou o seu poder de forma excessiva. Não percebeu a diferença entre o lugar da crítica feita por terceiros e a posição do correlativo lugar institucional – foi assim na Câmara do Porto, é assim na liderança do PSD – procura afirmar-se pelo antagonismo, pelo conflito, a partir de uma posição de poder.

É este homem que o PSD tem para candidato a primeiro-ministro de Portugal?

E se um dia for eleito, como vai ser? Com as instituições culturais que o critiquem? Com as estruturas desportivas? Com a comunicação social? Com o seu próprio Partido?

Perante as situações concretas que referi e que aconteceram, posso até extrapolar a pergunta: como vai ser a sua atitude perante todas as organizações e pessoas que tiverem uma perspetiva diferente da sua e que “ousem” criticá-lo?

Alguém tem de explicar a Rui Rio, bem explicadinho, o conceito de democracia.

Ex-Secretário de Estado da Cultura; Professor Universitário