Portugal assistiu, nas últimas eleições legislativas, a um fenómeno de pulverização de votos – com a consolidação do PAN, a eleição de um deputado do Livre, à Esquerda, e com a chegada da Iniciativa Liberal e o Chega ao Parlamento. Hoje, a Assembleia da República acolhe dez partidos.

Podemos dividir em quatro fases o tempo da democracia portuguesa: 1974-1976, o período de formação, em que se afirmaram como partidos preponderantes o PS, o PSD (PPD), o PCP e o CDS. Da aprovação da Constituição da República, em 1976, até ao primeiro governo da AD (PSD, CDS, PPM), em 1980, houve uma preponderância da iniciativa presidencial (Ramalho Eanes), da qual saíram três governos; de 1980 a 1995 (15 anos), o PSD foi preponderante,  liderando durante 13 anos os governos constitucionais. A fase que vivemos hoje, é a da preponderância do PS. Desde 1995 até 2020 (25 anos), o PS liderou o governo durante 18 anos, com a possibilidade de governar, agora, mais 4, ou seja, 22 anos. O PSD foi governo durante 7 anos neste período. O PS afirmou-se como o partido do indistinção do aparelho de Estado e do aparelho partidário; da afirmação clientelar, a nível nacional e local, com uma influência determinante nas empresas e na comunicação social.

O PSD não foi, em todo este período, um partido inocente. A lógica clientelar também o marcou, se bem que com menor força que no PS.

As eleições autárquicas de 2013 e de 2017 diminuíram a implantação territorial do PSD e consolidaram a presença do PS, assim forte a nível nacional e local. Tendo, também, a liderança do governo regional dos Açores, só lhe falta a liderança do governo regional da Madeira – o último bastião do PSD – para fazer o pleno da mexicanização do regime (a mexicanização é um termo que se associa ao Partido Revolucionário Institucional, que governou o México a maior parte do século XX).

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O PS é hoje, o PRI português. É, sem dúvida, um partido revolucionário institucional. Usando a aliança com a extrema esquerda (os que querem mudar o mundo – ou assim o dizem – pela revolução) para governar, e, cumulativamente, hoje confunde-se com o próprio Estado – o PS é a instituição política de maior peso em Portugal.

O PSD, que teve a árdua tarefa de liderar o governo no período mais difícil da nossa democracia -2011-2015 (o tempo 1974-1976 corresponde ao período de formação da democracia), foi penalizado por essa situação nas eleições autárquicas de 2013 e não estancou a situação de perda nas eleições autárquicas de 2017. As eleições europeias e as eleições legislativas de 2019, continuaram a situação descendente do PSD, que  não conseguiu recuperar uma estratégia ganhadora, depois de ter vencido as eleições legislativas de 2015 e não ter podido governar. Liderado, desde 2018, por Rui Rio,   qual foi a estratégia definida pelo atual líder do PSD para o maior partido da Oposição?

Pela boca de uma das mais importantes apoiantes de Rui Rio, a antiga presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, no início de 2018 foi definida a estratégia: ”O PSD deve vender a alma ao diabo para pôr a Esquerda na rua”. A ideia, que foi repetida amiúde e reiterada no passado sábado, na TVI, é a seguinte: o PS e o PSD formam o centro, na democracia portuguesa. O PS afastou-se do centro ao aliar-se ao PCP e ao Bloco de Esquerda. É missão do PSD voltar a trazer o PS para o centro, porque é ao centro que se fazem as reformas estruturais que o país precisa.

A declinação desta estratégia levou Rui Rio a fazer dois pactos de regime com o governo PS, logo em 2018: descentralização e fundos europeus. O que deram estes dois pactos? Trouxeram o PS para o centro? Contribuíram para reformas estruturais?

A resposta é simples: não.

Rui Rio, já afirmou que, se continuar como líder do PSD, não vai mudar a estratégia que seguiu nos últimos dois anos (e que, recorde-se, levou a duas históricas derrotas eleitorais). O PS deixou claro que os seus aliados são o PCP e o Bloco de Esquerda. É assim  desde 2015. E se as condições de confiança política entre o PS, o PCP e o BE se degradarem durante 2020, é missão do PSD substituir a extrema esquerda na relação com o PS?

O que mudou desde 2018? O PS ganhou as eleições europeias e as legislativas, a Esquerda aumentou a percentagem de votos, o centro direita diminuiu a sua votação e a direita populista entrou no Parlamento.

O que levará, face a este cenário, a liderança do PSD a tentar uma missão salvífica junto do PS? Esta obsessão de trazer o PS para o centro deve ser razão de gáudio em São Bento e no Largo do Rato.

É que enquanto o PSD insiste em ser um fiel de balança, o PS reforça o seu peso, desequilibrando cada vez mais a balança.

Como é que a liderança do PSD não percebe que só conquistando uma posição clara de Oposição pode ter capacidade negocial junto do governo e do PS?

Só quem ganha uma posição tem condições negociais. Quem quer negociar a partir da fragilidade, perde sempre.

O PSD está frágil. Dividido. Se continuar numa postura de oposição soft, na tentativa de “trazer o PS para o centro”, o que vai obter, para o partido e para o país?

Dois anos desta estratégia corresponderam a uma trajetória descendente para o PSD. Mais dois anos permitirão uma mudança da equação?

Ou será que se está à espera que os portugueses se “fartem” do PS? Ou de, num papel secundário, aceitar um “abraço de urso” de uma espécie de futuro Bloco Central?

Entretanto, a ideia  de que não se ganham eleições, são os outros que as perdem  deve ser abandonada. O século XXI é um outro lugar para fazer política. O PS percebeu-o. Se, por um lado, mantém um núcleo duro que se liga à história do partido e mantém barões e velhas glórias, por outro, agregou novas gerações qualificadas e com uma diversidade no arco ideológico. Ao mesmo tempo, consolidou posições junto dos meios digitais, das empresas, das universidades, da comunicação social. Junto dos autarcas, e dos fazedores de opinião. O PS é hoje uma máquina profissional e contemporânea de fazer política, ao lado de um PSD amador, eivado de um lirismo evangélico, pastoreado por Rui Rio e acolitado por uma velha guarda que já não faz ideia do que é o tempo que vivemos.

A democracia portuguesa precisa de um PSD que seja alternativa de governo. Que permita equilibrar a força crescente do PS e da extrema esquerda nas instituições, nos media, a nível local e nacional. Tal deve acontecer a bem do exercício de alternância, essencial ao pluralismo, liberdade de expressão, transparência,  igualdade de oportunidades.

Infelizmente, não é essa a postura que a atual direção do PSD nos apresenta. Por isso apoio Luís Montenegro como alternativa para a liderança do maior partido da Oposição.

Para evitar que o manual que orienta, hoje, a direção do PSD,  destrua esta força política. A destruição não significa desaparição. Se o PSD baixar da fasquia dos 20%, deixará de ser alternativa. Outras forças políticas ocuparão o seu espaço.

Num momento em que demagogos como quem lidera o Chega ganham margem de manobra através de afirmações primárias, capitalizando o descontentamento de certas classes e sectores da sociedade, o PSD, em vez de, de forma séria e democrática, dar voz aos descontentes e, de forma sistemática e pedagógica, mostrar o que está mal e o que pode ser melhorado, quer acolitar o PS. António Costa agradece.

Mas Portugal fica a perder.