A recuperação da cidade de Palmira pelas tropas de Bashar Assad com o apoio militar russo, mais do que uma vitória importante sobre o DAESH no terreno, que o é, pretende mostrar ao mundo que a Rússia, em poucos meses, resolve aquilo que o chamado Ocidente provoca e depois leva anos a resolver.
Nestas situações, os russos marcam estas ocasiões também com anedotas e a última reflecte bem o espírito que se vive na Rússia depois desse êxito militar: “O ministro da Defesa entra no gabinete de Vladimir Putin e anuncia radiante: – Presidente, conquistámos o Alasca e a Ucrânia!, e Putin responde com a sua habitual frieza: Eu não ordenei conquistar polmira (meio mundo em russo), mas Palmira!”.
Este êxito militar das tropas sírias sobre o DAESH é o primeiro grande êxito na luta contra os jihadistas na Síria em cinco anos de guerra e só foi possível graças ao apoio da Força Aérea russa. A morte de um militar russo no terreno aponta para o facto de esse não ser o único combatente, mas, ao que tudo indica, além de soldados das tropas especiais, há também mercenários russos a combater do lado de Bashar Assad, mas isso ser-nos-á confirmado mais tarde pelo Presidente Putin.
Esta vitória está a ser também uma excelente campanha publicitária para os armamentos russos. Segundo a revista russa Kommersant-Dengui, a participação militar no conflito da Síria já levou a que a Argélia, Indonésia, Vietname, Paquistão, Iraque, Irão e Arábia Saudita se interessassem por equipamentos militares russos. Nos próximos anos, as potenciais encomendas poderão chegar aos 6 ou 7 mil milhões de dólares. Desse modo, a campanha russa na Síria serviu, como reconheceu Putin, não só para ensaiar armas russas, mas também poderá cobrir as despesas.
Neste contexto, são deveras inesperadas as declarações de John Kerry, secretário de Estado norte-americano, após a sua visita a Moscovo. A uma pergunta dos jornalistas do canal de televisão norte-americano CBS: “Has Russia gotten more of a ‘foothold’ in the Middle East because of its involvement in Syria?” [“Conseguiu a Rússia mais do que colocar um pé no Médio Oriente graças ao seu envolvimento na Síria?”], Kerry respondeu que essa ideia é “ridícula”. Se assim é, o que andarão a fazer tropas russas por aquelas paragens?
John Kerry parece ter razão quando afirma que os russos “not wedded to Assad” [“não estão casados com Assad”], mas isso não significa que o Kremlin esteja disposto a renunciar ao seu apoio ao actual Presidente sírio apenas como acto de boa vontade.
Mas se tanta “bondade” por parte de Vladimir Putin existir, o que é difícil de acreditar, não se pode excluir que poderemos estar perante um acordo mais global entre a Rússia e os Estados Unidos que inclui também a separação de esferas de poder na Ucrânia. Neste caso, Kiev poderá ser obrigado a aceitar uma revisão constitucional com vista à “federalização” do país, dando ampla autonomia às regiões separatistas ucranianas pró-russas. Os dirigentes ucranianos, pelo seu lado, consideram que isso poderá levar à desintegração do país, cenário cada vez mais provável se tivermos em conta que os políticos de Kiev colocam os seus interesses pessoais acima dos nacionais ao envolverem-se em lutas sem fim.
E a União Europeia? Qual o seu papel em todo este complexo xadrez político? Por enquanto, assemelha-se mais ao empregado de mesa que serve as bebidas.