Como escrevi na semana passada, a redução do desemprego verificada nos últimos anos, para todos os efeitos relevantes do debate público, contraria os alertas de quem chamou a atenção para os efeitos nefastos dos aumentos do salário mínimo na taxa de desemprego. Hoje gostaria de discutir convosco algumas possíveis explicações. Pelas reacções que recebi, haverá três tipos principais de explicações.
O primeiro é simples e é quase como dizer que não houve erro de previsão: simplesmente há tantas causas possíveis para variações na taxa de desemprego (preços de petróleo, movimentos turísticos, procura externa pelos nossos produtos, ou reforma da lei laboral, só para citar alguns exemplos) que seria perfeitamente possível que a taxa de desemprego tivesse baixado por todos esses outros motivos e apesar da subida do salário mínimo. Em tese, esta hipótese é possível, claro, mas seria mais credível se quem a defende tivesse previsto uma tão grande descida do desemprego há um ou dois anos. Vale a pena lembrar que ainda há pouco tempo Olivier Blanchard previa que a taxa de desemprego se manteria acima de 10% durante muito tempo. Também Álvaro Santos Pereira veio a Portugal em Fevereiro passado apresentar um relatório da OCDE que previa que a taxa de desemprego nacional demoraria a cair abaixo dos 10%.
O segundo é de que o salário mínimo tem pouco impacto no desemprego. É aliás costume citar vários estudos que concluem isso mesmo. Regra geral, esses não se aplicam a Portugal, pelo menos ao Portugal de hoje. Isto porque se referem a aumentos moderados de salário mínimo e, pelas métricas tipicamente usadas, não se pode dizer que em Portugal o salário mínimo seja baixo. Por exemplo, na União Europeia, há poucos anos, a percentagem de trabalhadores que recebiam o salário mínimo era de cerca de 7%, enquanto no Portugal de hoje a percentagem é superior a 25%. Também o facto de o salário mínimo se estar a aproximar bastante do salário mediano é um indicador de que não faz grande sentido falar em salário mínimo moderado. Isto, repito, de acordo com as métricas mais usadas na literatura sobre o assunto.
Um terceiro tipo de explicação, este mais provocador em termos intelectuais, é a de que aumentos do salário mínimo podem estimular o emprego. Isto pode ser argumentado pelo menos de duas formas. Uma, a usada pelos nossos governantes, defende que aumentos do salário mínimo estimulam a procura interna, o que vai estimular a contratação de mais trabalhadores por parte das empresas. Como referi no último artigo, não me parece que os dados apontem nesse sentido. Inclusivamente, o emprego tem aumentado em sectores onde a procura externa tem estado a aumentar (turismo, vestuário, etc.).
Mas há uma hipótese mais interessante e que, até há bem pouco tempo, considerava uma mera curiosidade intelectual sem aplicabilidade empírica relevante. A hipótese de haver poder de monopsónio (poder de mercado entre empregadores). Peço desculpa pelo palavrão, mas vou tentar explicar de forma simples. Um empresa que procure maximizar os seus lucros, quando decide contratar um trabalhador, compara, grosso modo, o rendimento que o novo trabalhador lhe dará com os custos salariais de o ter na empresa. Aumentado o salário mínimo, aumentam esses custos pelo que, à partida, diminui o incentivo a contratar novos trabalhadores. Mas, mas, mas… isto é num mercado competitivo, em que os salários de mercado são, sob o ponto de vista da empresa individual, quase um dado adquirido. Se a empresa tiver poder no mercado laboral, então é possível que pague aos trabalhadores menos do que a sua produtividade e se quiser contratar mais trabalhadores terá de lhes oferecer salários mais altos e isso tem consequências na apetência para contratar novos trabalhadores. Como explica o Council of Economic Advisers da Casa Branca, «empregadores monopsonistas podem ser induzidos a contratar mais trabalhadores se se limitar a sua capacidade de fixar salários abaixo do competitivo — por exemplo, via um acordo colectivo de trabalho ou com um salário mínimo.»
Peço desculpa se está a achar o argumento demasiado intrincado, pelo que antes de continuar, vou dar um exemplo recente. Ainda há uma semana, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) apresentou os resultados de um inquérito junto das empresas dos setores da Restauração e Bebidas e do Alojamento Turístico. De acordo com esse inquérito, 70% das empresas do sector tem dificuldades em contratar trabalhadores. E a AHRESP concluía que as empresas do sector necessitavam de mais 40.000 trabalhadores. Evidentemente que não teriam dificuldades nenhumas em contratar os trabalhadores de que necessitam se estivem dispostas a pagar-lhes melhor. Porque não o fazem? Uma possível explicação é de que não o fazem porque, para pagar melhor aos novos trabalhadores, teriam de aumentar os salários dos actuais trabalhadores. Isto tem uma implicação peculiar. Quando uma empresa contrata um novo trabalhador, o custo adicional tem duas componentes. A primeira é o salário do novo trabalhador, a segunda é o aumento salarial que tem de dar aos seus atuais trabalhadores.
Este é o caso típico que é ensinado aos alunos de Introdução à Economia, quando se quer explicar que o aumento do salário mínimo pode ter efeitos positivos no emprego: como os trabalhadores antigos são aumentados via salário mínimo, o custo de contratar um novo trabalhador passa a ser apenas o salário que a empresa lhe paga (mais outros custos associados ao salário, naturalmente, como a TSU). Eu, como a maioria dos economistas, sempre considerei este exemplo puramente teórico e com validade numa pequena comunidade, por exemplo, uma aldeia que tem uma empresa que emprega algumas centenas de trabalhadores, mas que dificilmente seria relevante a nível nacional.
Esta possibilidade é muito interessante porque é um caso em que o aumento do salário mínimo não só tem efeitos positivos no emprego como, ainda por cima, ao aproximar os salários da produtividade, até tem efeitos positivos do ponto de vista da eficiência económica. A questão, no entanto, é a mesma de sempre: qual a pertinência empírica deste argumento? Declarações como as da AHRESP sugerem que pode ter alguma aplicabilidade em Portugal num dos sectores que mais importância tem tido na criação de emprego. Infelizmente, para Portugal, não conheço nenhum estudo sobre o assunto que me permita fazer uma generalização para o resto da economia. Mas é verdade que a falta de concorrência em alguns sectores-chave já é há muito apontada como uma das pechas da economia portuguesa. Falta de concorrência sectorial não é exactamente o mesmo que poder de monopsónio no mercado laboral, mas é sugestivo de que algo se passa.
Há alguns estudos sobre o assunto para o Reino Unido e para os Estados Unidos que indicam que esta hipótese não deve ser descartada como ridícula. Por exemplo, num documento de trabalho do fim do ano passado, e ainda a aguardar validação por uma revista científica, José Azar (IESE Business School), Ioana Elena Marinescu (Universidade de Pensilvânia) e Marshall Steinbaum (Roosevelt Institute) concluem que para os EUA há dados convincentes que apontam para a existência de poder de monopsónio no mercado de trabalho, que decorre da falta de concorrência no mercado dos produtos.
Como concluí no meu artigo da semana passada, ainda é cedo para aventar explicações definitivas para a forte descida do desemprego no mesmo período em que o salário mínimo subiu sensivelmente.
Correcção: As declarações atribuídas a Olivier Blanchard estão erradas. Peço desculpa pelo engano.