Esta variante da célebre frase da campanha de Bill Clinton vs George H. W. Bush aplica-se ao intento do Governo em permitir que professores com quatro anos de serviço sejam considerados profissionalizados, para tanto bastando a discussão de um relatório.
Durante décadas estive ligado à formação de professores e nos últimos anos à formação de profissionais de saúde e vejo com indignação que alguém responsável pela formação de docentes possa defender tamanha incoerência que não só não garante qualquer qualidade na formação dos docentes assim formados, como desqualifica toda a classe.
Nos últimos tempos, o país foi inundado de cartazes de professores a exigirem respeito; não posso estar mais de acordo, nas últimas duas décadas a classe tem sofrido maus tratos de todo o tipo, que estão na origem do profundo mal estar que se sente e se vê nas escolas e nas manifestações, da carência de candidatos à docência, da fuga dos que podem reformar-se ou optar por outras profissões, mas o desrespeito total é permitir-se que continuem a formar-se professores sem terem passado por um período de estágio supervisionado.
Presumo que esta medida será popular entre os docentes que a ela possam aceder e que os sindicatos estejam mais preocupados com a recuperação do tempo de serviço e os aumentos remuneratórios, mas quem quer ser respeitado tem de se dar ao respeito e nenhum profissional poderá aspirar a ser respeitado, neste caso, pelos alunos, pelas famílias, pelos seus pares, pela sociedade em geral, se não tiver feito prova prática de que possui as competência necessárias para poder ser considerado um profissional.
Imaginem que se passava situação idêntica com os médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, cuidadores pessoais, para dar apenas exemplos que conheço de perto, alguém achava possível uma medida destas ser aceitável pelos pares ou pela sociedade? Obviamente que não, por que isto retiraria toda a credibilidade à formação, quem respeitaria qualquer um daqueles profissionais se lhe outorgassem uma carteira profissional porque discutiu um relatório? Mas para o caso dos professores, encolhemos os ombros e aceitamos como uma inevitabilidade?
Eu não me resigno a aceitar sem protestar uma tal insanidade, o aspirante a professor até pode ter imensas qualidades, mas isso não chega, deve submeter-se a um período de treino supervisionado, indispensável para corrigir erros, melhorar procedimentos, apurar competências e não precisa de discutir relatório nenhum, este instrumento está totalmente desadequado do que se pretende avaliar, se o candidato domina as técnicas e práticas que podem fazer dele um professor profissionalizado.
Imaginem, por absurdo, que passava a ser permito conduzir sem carta durante quatro anos e o exame prático era substituído pela discussão de um relatório. Claro, só mesmo uma gargalhada perante tão abstrusa possibilidade, e então é possível com os professores?
No momento atual, esmagado pela contestação, ameaçado pelo PSD que, finalmente, descobriu um ponto de corte eficaz com o Governo, este só quer ver-se livre de mais sarilhos e toda a reformulação em curso dos programas de formação de professores é no sentido de facilitar tudo e mais o que vier, para formar mais professores que não tardarão a ser apodados de “aviário” ou de lhes ter saído o brinde no pacote da “Farinha Amparo”.
Aliás, não deixa de ser sintomático que o principal empregador dos docentes, que é o Ministério da Educação, substituindo-se às entidades formadoras e à A3ES, esteja a definir uma espécie de caderno de encargos, invertendo todo o processo legal de propositura e aprovação de cursos. Nada contra o facto de o Ministério, na qualidade de empregador, se articular com as entidades formadoras e estabelecer um pacto para o futuro, que devia abranger sindicatos e partidos políticos, consensualizando um modelo de formação que teria de estar em linha com a definição de objetivos da política educativa. A ideia não é nova, a de um Pacto Educativo, infelizmente nunca avançou e o resultado está à vista.
O nosso Sistema Educativo é hoje largamente disfuncional e não se estão a ver políticas capazes de inverter este ciclo de desvalorização, apesar das sucessivas paixões pela educação, que rapidamente se erodiram e passaram a deceções.
A profissionalização de professores com habilitação própria, mas sem formação pedagógica, é um processo relativamente simples e rápido, aproveitando-se naturalmente a experiência que cada um já tiver, mas cair no logro de fazer tábua rasa do mínimo exigível é desrespeitar os próprios professores e contribuir para um maior descrédito do Sistema de Ensino.
Sinceramente, acho que é tempo de quem se sente professor e responsável, de quem tem filhos nas escolas e se preocupa com a qualidade do ensino que lhes é ministrado, de quem se interessa pelo futuro da educação no país, mostrar o seu descontentamento e ajudar a inverter esta rampa inclinada para a mediocridade.