Os quereres do Governo

O executivo de António Costa alardeia querer. A expressão “Governo quer” faz títulos com tal frequência que o BE, anterior campeão destas formulações volitivas, deve andar num desconsolo. O Governo tem de facto querido muito, mesmo que às vezes aquilo que agora quer seja precisamente o contrário daquilo que quis há uns anos: Governo quer lançar privatização da TAP ainda este ano (Então porque a nacionalizou? Foi para o ministro Pedro Nuno Santos ir ver os aviões?)

Noutros momento quer sem ter meios para querer e portanto o esbulho é o meio mais directo para exercer esse querer: Plano Nacional de Habitação. Governo quer chegar às 300 mil casas para arrendar. Ora como não tem casas que lhe permitam aumentar o parque habitacional público, não só porque não as consegue construir mas também porque nem consegue sequer contabilizar as que são propriedade pública, o Governo prepara-se para obrigar/pressionar os privados a colocarem as suas propriedades nos programas invariavelmente falhados de arrendamento estatal. O delírio neste domínio é tal que os activistas do costume já sonham com posses administrativas de casas, o Estado a fazer aí as obras que entende pelos valores que lhe apetece e no fim tudo somado abate no valor das rendas que talvez consiga cobrar. Quando a diferença for zero (ou seja nunca) devolve a casa aos proprietários.

Mas mudemos de assunto que os senhorios estão habituados a esperar e ainda temos vários quereres governamentais para tratar: o “Governo quer que deslocações a pé entre casa e trabalho aumentem um terço até 2030”. Como não podia deixar de ser “Vai ser criado grupo para executar esta estratégia e a da mobilidade ciclável” . Depois temos este piedoso para não dizer místico Governo “quer acreditar” que Nigéria vai cumprir entregas de gás mas admite risco  É caso para perguntar: não nos mandou o Governo acreditar que íamos ter gás a preços baixos? Não garantiu o secretário de Estado, João Galamba, que estava tudo previsto e acautelado? Um simples passe de mágica com a passagem para o mercado regulado e ficávamos a salvo das subidas do preço do gás e agora o Governo quer acreditar que a Nigéria vai cumprir entregas de gás! Nós também queremos acreditar que o Governo tem um mínimo de siso. Mas neste domínio do querer como projecção de desejo nada bate a formulação para o debate sobre as pensões: “Governo quer reflexão mas não imediata sobre cálculo das pensões“. Portanto, está o leitor preocupado com o valor da sua pensão? Espere aí um bocadinho que o Governo logo lhe diz quando deve reflectir nesse assunto. Agora não pode ser. Espere um pouco. Tire senha. Espere pela sua vez. Faça marcação. O melhor é agendar… A insustentabilidade da Segurança Social agradece.

A carnificina climática

António Guterres essa espécie de profeta que começa por nos prometer o paraíso caso o escolhamos e acaba a anunciar-nos o inferno mal se vê nos cargos para desse modo justificar a sua inoperância, declarou ao ver o Paquistão inundado que se estava perante uma carnificina climática. Noutros tempos, perante os então chamados desastres naturais, queria saber-se o que poderiam ter feito os governos para minorar os efeitos, agora invocam-se as alterações climáticas e expia-se a culpa por se ter ofendido o planeta. O clima factor constante de medos e inseguranças na humanidade transformou-se  na trave-mestra desse neo-paganismo elevado a religião dos estados.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Recordo que as alterações climáticas sucedem ao aquecimento global que por sua vez sucedera ao efeito de estufa como arquétipo do detonador do apocalipse.  Como sucede nos momentos de grande fervor religioso, desde que se invoque o propósito de combater o Mal, neste caso as alterações climáticas,  qualquer proposta por mais descabelada que seja (como a greve climática da passada semana exigindo o fim do consumo dos combustíveis fósseis)  é apresentada como positiva porque, dizem, pretende salvar o planeta. Simultaneamente as perguntas passam a heresia. Logo ou não se fazem ou são ignoradas. Veja-se o caso da inquestionável e inquestionada transição energética  que levou ao encerramento de centrais nucleares e a carvão (mesmo quando muito modernas e eficientes como sucedia com as centrais a carvão encerradas em Portugal). O resultado dessa transição energética sem fonte de energia para onde transitar à excepção do gás russo alimentou Putin. Mas as denúncias que foram feitas deste logro que posteriormente se revelou uma armadilha não só não foram ouvidas como suscitaram em muitos o mal estar de quem sabe estar a ouvir algo que, podendo ter fundamento, não faz parte dos tópicos fofinhos de quem quer ficar bem na fotografia de cada momento.

O plenário da Transtejo

Foi na quinta-feira. Mais um. Os plenários dos trabalhadores da Transtejo são como os pastéis de nata: todos já experimentámos um. São aliás tão frequentes que, em Lisboa ou Almada, milhares de pessoas nem sabem já viver sem resolver o quebra-cabeças semanal: como ir trabalhar no dia de plenário da Transtejo? Melhor ainda: como chegar a tempo de ir buscar os filhos à escola em dia de plenário da Transtejo? Um plenário da Transtejo tem o seu ritual: implica uma interrupção dos trabalhos por três horas (pode parecer irónica esta referência à “interrupção dos trabalhos” mas na verdade o trabalho dos trabalhadores da Transtejo não é fazer plenários mas sim assegurar a ligação fluvial entre as duas margens do Tejo). Note-se que três horas nem é muito tempo se tivermos em conta o esforço intelectual exigido a quem participa nos tais plenários (infelizmente não sabemos quantos trabalhadores participam nesses plenários mas ainda não perdi a esperança de que tal contabilidade venha a ser revelada). Mas vamos aos assuntos tratados nos plenários propriamente ditos. Informa a CGTP que o plenário desta semana analisou  “todo o processo reivindicativo, bem como a situação caótica do transporte fluvial no Tejo”. Um leitor menos conhecedor do universo Transtejo seria levado a acreditar que no plenário se tinham analisado os contributos das ameaças de greve, greves propriamente ditas e interrupções por causa dos plenários  na criação da tal situação caótica mas não foi nada disso que aconteceu. Segundo explica a convocatória para o referido plenário “a situação caótica do transporte fluvial no Tejo” agrava-se “de ano para ano devido à falta de embarcações e de posições de gestão que garantam o serviço público de transporte fluvial aos utentes e dignas condições de trabalho aos trabalhadores.” Portanto após mais um plenário e consequente interrupção das ligações outro plenário virá. Como os mesmos contribuintes que pagam a Transtejo pagam também vários planos de mobilidade sugiro que estes no meio da culpabilização de quem opta pelo transporte individual reservem umas linhas ao impacto dos plenários da Transtejo na degradação do imagem dos transportes públicos.