Há umas semanas escrevi sobre o que penso serem os principais problemas a resolver na política de saúde em Portugal.  Mas será preciso priorizar, ter uma linha condutora para um objetivo. Os desafios imediatos para o sistema de saúde em Portugal e, ainda com maior acutilância, para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), no meu entender, são:

1 Garantir acesso em tempo clinicamente útil. Este desiderato fica temporalmente muito para “cá”, falando em termos de duração, do que os tempos legalmente definidos como “máximos de resposta garantidos”. Estes “tempos” são uma abstração jurídica do que são as necessidades clínicas de cada doente, não respondem a casos individuais e foram estabelecidos, desde logo demasiado longos, para proteção das instituições e da reputação do SNS. Tempos aceitáveis ou garantidos, quando longos por via legal, implicam que esperas prolongadas sejam desvalorizadas e quase que moralmente aceites, mais do que juridicamente incontestáveis. Um doente que morra ou veja o seu estado de saúde agravado ainda dentro dos prazos “garantidos”, deixa de ser problema para o Estado. Note-se que não há nenhum racional, cientificamente reconhecido, que sustente os prazos legalmente definidos em vigor. O mais grave é que estes prazos, algumas vezes inadequados, não são cumpridos e as instituições insistem em reter doentes que deveriam ser referenciados para a procura de melhor solução. Mais grave, ainda, é quando essa solução não existe no âmbito do SNS.

A garantia de acesso implica diminuição de tempo de espera até à realização de consultas, não apenas as primeiras, de exames e procedimentos terapêuticos, bem como rapidez na obtenção de resultados e progressão do doente no percurso clínico – “clinical pathway” – até ao estabelecimento e cumprimento de um plano terapêutico.

2 Para que se consiga isto é preciso que existam pessoas competentes em número suficiente, estruturas de prestação de cuidados de saúde com capacidade de resposta e respeito intransigente pela adequação dos meios usados às necessidades de cada utente. Não pode haver desperdício, nem tempos perdidos.

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3 Como parte do que é essencial para satisfazer o acesso dos utentes aos cuidados de saúde, é fundamental a criação de uma estrutura de comunicação informatizada, automática e rápida, a nível nacional e de todo o sistema de prestação de cuidados, para dados individuais de saúde. O processo clínico eletrónico nacional universal tem de ser uma realidade.

Só assim, se poderão eliminar desperdícios e redundâncias, manter os doentes clinicamente protegidos pela existência em tempo real e permanente de toda a informação clínica relevante, permitindo-lhes viajar pelo sistema, em segurança, com a maximização da gestão de fluxos.

4 Acrescento que além do combate ao desperdício, no que diz respeito a intervenções diagnósticas e terapêuticas, é essencial reduzir a carga de doença através de intervenções preventivas consequentes, como tenho vindo a defender.

Ora, o programa de governo do PSD para as eleições de janeiro de 2022, no que à saúde diz respeito, responde no essencial aos desafios anteriormente apresentados. Está bem elaborado, adequadamente apresentado, é realista q.b., suficientemente detalhado. Talvez peque por ser um pouco ambicioso e não ter horizontes temporais claros para cada medida, ser omisso no elenco de prioridades e, no que à realidade diz respeito, não apresentar estimativas de custos e não prever impossibilidades objetivas à luz da legislação em vigor, como é o caso da generalização de USF modelo B.

Mas tem muito mais virtudes do que defeitos e vê-se que resulta de um trabalho sério e prolongado de reflexão. Em suma, mais uma razão para manter a minha determinação em votar no PSD nas próximas eleições.

Começa pelo lado certo, o da prevenção, sem rebuço em afirmar que a fiscalidade pode e deve ter um papel essencial na modelação de comportamentos. Assume, sem complexos, uma visão sistémica das soluções e não apenas por via do SNS. É moderado, é do melhor que o PSD apresentou ao escrutínio público desde há longos anos, é quase totalmente exequível no tempo de uma legislatura. Não tem nada com que não se possa intuitivamente concordar, desde o mais conservador ao revolucionário. Tudo o que lá está escrito pode ser subscrito por qualquer Partido político comprometido com o direito universal de proteção da saúde. O programa do PSD tem a virtude de se prestar naturalmente à negociação, à procura de consenso que não seja paralisante, bem pelo contrário, é uma base para a evolução reformista de que a prestação de cuidados de saúde em Portugal precisa. Mas não vai ser barato, nem fácil, bem pelo contrário, vai determinar uma aposta muito forte nos mecanismos de controlo e regulação da qualidade.

A suposta intenção de privatização do SNS, um absurdo de linguagem mentirosamente atribuído ao PSD, está claramente ausente das propostas elencadas. O que está posto como possibilidade é que todo o sistema e não apenas parte dele, o SNS, responda a toda a população.

O SNS não está pior por causa dos privados. O SNS não perde pessoal por haver privados. O SNS está pior porque o dono, o Estado que nos deveria representar e salvaguardar os interesses, não cuidou dele. O SNS não deve, nem pode, deixar de existir por haver a alternativa privada. O SNS não será “salvo” pelas companhias privadas de prestação de cuidados de saúde, mas estas podem ajudar muito. O que o SNS tem de fazer é investir na sua modernização, na sua excelência, na sua capacidade formativa, na sua especialização em áreas pouco atrativas para o setor lucrativo da prestação de cuidados de saúde. O brain drain combate-se com medidas proativas de angariação e fixação de pessoal, não por hostilização dos supostos concorrentes. O Estado não tem de competir com privados. Deve procurar ajudas e complementaridades, a preços justos e por si definidos, junto do setor privado, incluindo o setor social que aqui entendo como uma modalidade não lucrativa da atividade privada.

Todas estas afirmações são pressupostos diferentes dos que têm sido enunciados pela Iniciativa Liberal (sobre o Chega e políticas sociais concretas, mormente sobre saúde, nada se sabe) que defende a concorrência livre entre público e privado, com o consumidor a ditar a evolução da oferta. Numa entrevista memorável e que deve ser ouvida com a máxima atenção (a partir dos 16:44m,) o líder da Iniciativa Liberal mostrou uma atrevida ignorância, aflitiva para um político, sobre o que deve ser um sistema de saúde. Demonstrando que não tem ideias claras e com uma interpretação errada dos efeitos do market driven ou o consumer driven healthcare (sugiro uma releitura de “Redefining Healthcare” de Potter e Teiberg, Harvard Business School Press, 2006), defende que devem ser “os amigos que gostaram” a determinar quem deve voltar a um hospital e que num mundo ideal nem deveriam existir hospitais públicos. Confunde subsistemas com seguros, entende que o SNS agora já só tem prestadores públicos, enfim, os disparates e as imprecisões são tantas que valem pelo esclarecimento que nos deu sobre a perigosidade e inutilidade do voto na IL. É tão fácil falar por ouvir dizer… Obrigado ao Observador.  Num mercado assimétrico, com excesso de assimetrias sociais e territorialmente desequilibrado, estas propostas não servem e até em países mais ricos, como é o caso dos EUA, estão associadas a grandes riscos clínicos e fraco desempenho na saúde pública e seus indicadores.

Há um ensinamento adicional que esta pandemia nos trouxe, lição que tem sido preocupantemente desprezada e não entendida pela direita mais liberal. O sistema de saúde português é frágil, pouco coordenado, mal gerido e incapaz de responder sem a centralidade operacional do serviço nacional de saúde (SNS). Este Serviço não poderá ser substituído nos próximos anos por um sistema só privado, naturalmente lucrativo, capaz de dar resposta às necessidades em saúde da maioria da população. Não é um problema de ideologia, é um problema de falta de capacidade de regulação, por ora, e de dimensão do mercado. Não basta melhorar as condições de acesso dos portugueses a todo o sistema de saúde, é preciso que o sistema cresça de forma harmoniosa, planificada, com gestão de fluxos de doentes e que os cuidados prestados possam ser pagos, a preços justos e adequados, sem atrasos e ao longo do percurso clínico de cada utilizador. O sistema de financiamento, a organização e o controle de qualidade de um sistema de saúde não se mudam em 1 ou 2 anos. Vai ter de mudar, demorará o que tiver de demorar, mas a mudança será feita com olhar para as prioridades imediatas e sem criar perturbação na capacidade assistencial existente e sem gerar a falência financeira de todo o sistema. Mercado livre na saúde? Porque não? Mas será para quem poder pagar ainda mais especulação (digo ainda mais, porque ela já existe e não é a procura que regula os preços na Saúde). E os outros? O que vai acontecer às pessoas, como eu e como a maioria dos leitores, que não podem pagar 10, 100, 200 ou 300.000 Euros de custos anuais de uma doença? Precisamos de respostas políticas que sirvam para todos e não apenas para alguns.

Este janeiro vamos ter de escolher entre opções que basicamente se podem resumir a manter o PS no governo ou substituí-lo. O único voto consistente para uma transição eficaz, sem roturas sociais e capaz de introduzir reformas conducentes à melhoria de bem-estar, é no PSD. Não vejo nada no programa do PSD que não seja aceitável pelas pessoas com convicções mais à direita, sejam elas o respeito pela equidade nas oportunidades, o direito à liberdade e a justiça fiscal, como não vejo entraves para os que se acham de esquerda, por acreditarem na proteção social e na promoção do bem-estar para todos, de forma inclusiva e intolerante, votarem no PSD. À direita do PS, com pena minha, os partidos partem sem coligação. Mesmo tendo fortíssimas reservas a ideias da IL sobre saúde e repudiando o essencial do show Chega, reconheço que há ideias boas no que a IL e CDS defendem que poderiam proporcionar uma coligação pré-votação. Não houve. Seja. Ficou ainda mais claro que quem não mais quiser PS a comandar os destinos de Portugal deve votar PSD.