Na análise – há sempre análises – das últimas eleições internas do PSD é impossível discernir porque Rui Rio ganhou a Paulo Rangel com mais 1700 votos num universo de mais de 40.000 eleitores potenciais.

Poder-se-ia imaginar que ganharam os militantes mais conservadores – paradoxalmente é isso que o centro é, conservador – ou os de fora da capital, mas isso seria muito redutor e implicaria uma rotura sociológica que teria de ser analisada de forma mais detalhada. Simplesmente, os militantes que votaram em Rui Rio entenderam que o “velho”, conhecido, poderia ser melhor do que o “novo”, desconhecido, e que o mais notório teria maior probabilidade de ter um resultado honroso, talvez até ganhar, as legislativas do próximo dia 30 de janeiro de 2022. E digo isto baseado na especulação de que a sondagem favorável a Rui Rio e publicada no dia da votação dos militantes laranjas, estranha no tempo e no modo, apenas serviu para confirmar a ideia central que foi vendida e, pelos vistos, comprada de que Rui Rio estaria melhor “preparado” para ser primeiro-ministro. Primeiro-ministro, tenha ele esse desejo e o engenho para conseguir sê-lo. Convencer um país será sempre mais difícil do que convencer a “sua” parte do universo de militantes que decidiu votar.

António Costa parte para estas eleições com três planos. O plano A, ganhar com maioria absoluta e que seria a melhor solução para a governabilidade, parece difícil. O plano B de António Costa será sempre o governo com apoio à esquerda, o mais provável de acontecer se a esquerda prevalecer. O plano C, apoio pontual do PSD, será pragmático, mas dificilmente realizável. Só três planos. O plano D não existe. Seria uma coligação com o PSD, mesmo sendo este último o parceiro com menos deputados. O plano E, nem o imagina, seria um governo do PSD com o apoio do PS, sendo o PS minoritário face ao PSD.  Portugal não está para estas coisas. Os empedernidos de abril ainda não ultrapassaram uma democracia dicotómica, aquela que a comunicação social de pendor esquerdista nos impõe, e um status quo que insiste em esconder o 25 de novembro de 1975. As “forças de abril” não se misturam com “fascistas”, mesmo quando os “reacionários” insistem em usar o cravo na lapela uma vez por ano.

Não tenho dúvida de que reformas duradoiras, como a do SNS, olhando para os próximos vinte anos, só poderão ser feitas com um acordo que envolva PSD e PS, rivais naturais ao mesmo tempo que naturalmente parceiros. PS e PSD dependerão sempre um do outro se quiserem mudar alguma coisa de forma sustentada e perene. É uma maçada, bem sei, mas é assim mesmo. Nisso, Rui Rio tem razão. Só que o centro, em Portugal, não funciona. A ideia de que o PSD merece votos para que o PS se afaste da extrema-esquerda é arrevesada. O PS maioritário prefere a esquerda e o PSD maioritário nunca terá o apoio do PS. António Costa não quis apoiar o PSD em 2015, prescindiu dele em 2019 e só se servirá de Rui Rio em 2022 se não tiver outra solução e cobrando – será sempre ele a cobrar – um preço altíssimo.

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Logo, o PSD tem de fazer pela vida no espaço à direita do PS e só o voto no PSD poderá contribuir para mudar alguma coisa. Dito isto, por mera matemática eleitoral ou pela necessidade de esvaziar o balão do Chega, seria aconselhável a reedição de uma coligação com PSD, CDS e, idealmente, com a IL.

O PSD tem de lutar para ganhar a eleição de uma maioria parlamentar de coligados suficiente para poder governar sem precisar do PS, necessariamente em coligação com PSD-CDS-IL como ganhou em Lisboa. Menos do que isto, é reeditar um governo PS com apoio do PCP, BE e PAN.

Quem for votar no Chega vai ajudar o Dr. António Costa. É irritante, mas verdadeiro. É ainda mais irritante porque, tendo eu já defendido a naturalidade da existência de um partido de direita que seja o contrário de BE e PCP, este Chega não chega a coisa nenhuma. Para lá dos temas securitários, certamente importantes e deixados para trás pelos moderados, não lhes resta mais nada que não seja… nada. Nada de ideias e quase nada de pessoas. Não se compreende, a não ser pela formatação da opinião pública do centro para esquerda, que quase quatro décadas depois do fim do Estado Novo ainda não tenha despontado uma “direita de direita” formada por quadros, intelectualmente sólida e capaz de inovar. É bizarro como a extrema-direita lusitana ainda se deixa cair na armadilha simplória do racismo de periferias urbanas e não produz um programa, ainda que conservador nos costumes, de modelo económico e social alternativo e que valha a pena debater. Por outro lado, o CDS deixa-se corroer por falta de liderança e com essa falha de gestão política arrasta alguns dos melhores quadros políticos não socialistas para fora da esfera de decisão governativa. Convém-lhe a coligação com o PSD. A IL, pese embora a necessidade de formulação clara do que é ser liberal em Portugal no século XXI – desejavelmente mais do que pugnar pelo fim do cartão de adepto, saudar a eutanásia e legalizar os charros-, parece apresentar pessoas com vontade e capacidade de ir mais longe, a hipótese de mudança que também só alcançarão num cenário de coligação com o PSD.

Mas, sozinho ou em coligação, para ganhar é preciso um PSD nacional, moderno, que deixe de ser provinciano. O anti Lisboa não serve de bandeira. Quando muito, é tema nas eleições do bairro, lá na concelhia onde caciques e sindicatos de votos regozijam-se com a liberdade dos votos que caem, precisamente, onde esses sobas e chefes de claque gostariam que caíssem. Rui Rio vai ter de manter o modelo político que teve na escolha de alguns candidatos nas autárquicas, pragmático e sem grandes considerações de fidelidade – não teve pejo em indicar quem desbragadamente tinha sido anti PSD -, e apresentar uma equipa tecnicamente competente, certamente séria, mas eticamente irrepreensível e determinada a fazer melhor, com profissionalismo e bom senso. Para isso, Rui Rio vai ter de olhar para mais longe do que a sua comitiva de circunstância e não pode sugerir à metade dos militantes que não votou nele, a maioria se incluirmos os que se abstiveram, para irem fundar um partido alternativo, afastado do PSD “dele”. Rui Rio, para ganhar e é disso que Portugal precisa, tem de concorrer com o PSD todo do seu lado e não só com os que votaram nele.

Mas o mais fantástico das eleições no PSD é o inacreditável conjunto de mentiras e delírios, sem sustento nos factos, que ainda hoje se propalam em torno de Passos Coelho e da sua governação. É tal o terror que têm de um eventual regresso de Passos Coelho à vida política? Estes últimos dias li coisas mirabolantes sobre Darwinismo, só podendo ter sido escritas por quem não tem a mínima ideia do que é a evolução biológica das sociedades, e as eventuais ligações de Rangel – crítico de Passos Coelho que nunca escondeu as suas discordâncias – aos apoiantes de Passos Coelho que, bem vistas as coisas, nem se sabe bem quem são hoje em dia.

A esquerda construiu um cordão sanitário em torno do Dr. Pedro Passos Coelho, como fez com o Prof. Cavaco Silva, porque o teme. Caiu-me o queixo quando li que o maior e hipotético receio sobre o regresso de Passos Coelho ao governo, se Passos Coelho voltasse a disputar eleições contra António Costa e pudesse ganhar, seria voltar aos tempos da Tróika. Ó gente burra, mas não é facto que os “tempos da Tróika” nos foram impostos pelo PS que governava e teve de pedir o resgate? Não é certo que a Tróika veio porque Sócrates foi vencido no Parlamento pela esquerda coligada com o centro-direita? Não é certo que Passos Coelho e Paulo Portas venceram as eleições de 2015, ainda com a memória da maioria dos eleitores bem fresquinha do que tinha sido feito para sair do resgate financeiro? Ainda não perceberam que o desejo em “ir para além da Tróika” era a manifestação da vontade de conseguir mais do que aquilo a que eramos obrigados, ir mesmo mais longe económica e socialmente? Até quando se poderá continuar a insistir na burla política de que de 2015 a 2019 se fez mais investimento do que em 2012-2015?

Claro que estes sábios adivinhos já determinaram que Passos Coelho não seria problema – enorme contradição em quem tanto o receia – porque um PSD liderado pelo antigo primeiro-ministro seria a garantia de uma esmagadora vitória de António Costa. E o mais incrível de toda esta conversa obnóxia é que toda a gente tenta construir uma definição de “passismo” sem saber como definir o indefinível, simplesmente porque tal “entidade” não existe como teoria política ou praxis de governação. O que houve foi uma coligação de PSD e CDS a resolver com sucesso o imbróglio que parecia irresolúvel, deixado pelo PS de que António Costa era parte integrante e já executante político.

O mais triste de tudo isto é que o PSD também engoliu o engodo do anti-passismo. O nome provoca pânico em todo o lado – Ai, se ele volta!? – e tem o apoio dos que absurdamente falam, com ressentimento incompreensível, “daquela gente do Passos” a quem acusam, de forma repugnante, de terem cometido “genocídio social”. Há sempre uns que ganham estatuto de inimputável e a quem são autorizadas todo o tipo de ofensas.

O cúmulo é mesmo ler que a vitória de Rui Rio foi uma derrota de Passos Coelho e, espantem-se as almas, de Cavaco Silva. A esquerda teme estes nomes. Não perdoam a humilhação das derrotas às mãos destes líderes nacionais. Não esquecem e tremem sempre que se fala destes Políticos. É obra. Há que reconhecer o mérito de quem fica na história e na memória de apoiantes e adversários. E, no fim de cada dia, sobrevém sempre a suprema inveja de quem é medíocre e nunca deixará de o ser.