Neste dia 23 de junho, completam-se seis anos da realização do referendo para o Brexit, cujos resultados não só revelaram o inimaginável, como também reacenderam posições de divergência política alicerçadas em questões identitárias de cada uma das regiões que compõem o Reino Unido: Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.

As negociações e os acordos firmados no âmbito do Brexit e do período posterior encontram-se baseados na confiança mútua entre os atores políticos mundiais – neste caso, europeus e britânicos –; porém, com a decisão unilateral levada a cabo pelo governo de Westminster, esse elo fundamental das negociações e da diplomacia se perderam.  Ironicamente, entretanto, alguns porta-vozes do governo de Boris Johnson afirmam que o Reino Unido continua a defender uma ação e solução fundamentada em negociações – apesar de ter chegado unilateralmente a uma solução não negociável, com toda a falta de comunicação e seriedade política que lhe coube.

O Reino Unido deixou a União Europeia oficialmente em 31 de janeiro de 2020, pouco antes de a pandemia levar o mundo a passar por confinamentos e medidas restritivas que, no contexto britânico, evidenciaram as consequências diretamente relacionadas ao Brexit: falhas nos abastecimentos de mercadorias; crise económica; aumento do custo de vida; falta de mão de obra em inúmeros setores. Tendo a pandemia abrandado, a irrupção da guerra na Ucrânia serviu de distração para desviar as atenções dos problemas internos, do Reino Unido e de Downing Street; mas facto é que agudizou ainda mais a crise que o país e o primeiro-ministro britânico vinham sentindo.

Entretanto, há mais no horizonte. Segundo o gabinete independente de Responsabilidade Orçamental (OBR) do Reino Unido, numa previsão publicada em março deste ano, uma das consequências do Brexit a longo prazo será a redução da produção económica, prejuízo superior ao da pandemia, podendo chegar a uma contração de 4% em comparação a um cenário em que o país ainda pertenceria à União.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Há, ainda, as consequências do Brexit para as relações entre as regiões do Reino Unido, cujos impactos têm tornado as fraturas mais evidentes nas notícias recentes. No início de maio, quer no que diz respeito às eleições gerais para a Assembleia da Irlanda do Norte, quer quanto às eleições locais ocorridas em Inglaterra, País de Gales e Escócia, os resultados edificaram-se como uma reiteração da alteração do paradigma político britânico – a saber, a fragmentação interna resultante do referendo para o Brexit, não só devido aos posicionamentos e ações independentistas crescentes na Escócia e na Irlanda do Norte, mas também aos sinais vindos do País de Gales, que vêm aumentando.

É importante lembrar que a Irlanda do Norte e a Escócia, a par das cidades de tradição universitária, defenderam a continuidade no projeto europeu, instigando posições de rutura com o governo central britânico – seja no desejo de independência da Escócia, seja na questão do Protocolo da Irlanda do Norte (ou disposição à reunificação das Irlandas).

Alguns membros políticos da Escócia e da Irlanda do Norte afirmaram que os resultados das referidas eleições são um aviso real para o governo de Londres, e que este deve começar a preocupar-se seriamente com essa questão. No rescaldo das eleições gerais na Irlanda do Norte, a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, referiu que o Reino Unido pode viver uma desunião caso ambas as regiões levem adiante os seus desejos de sair da esfera de Westminster e Whitehall. Porém, uma das consequências – ou desconforto interno – mais sentidas e interligadas com os últimos tem sido provocada pelas questões políticas na Irlanda do Norte e pelo acordo referente ao Protocolo da Irlanda, estruturado para não impor uma fronteira na ilha da Irlanda, entre a República da Irlanda (União Europeia) e a Irlanda do Norte (Reino Unido).

Mesmo após a vitória do Sinn Féin (que apoia o Protocolo) nas últimas eleições gerais para a Assembleia, o Executivo na Irlanda do Norte ainda não foi constituído, uma vez que o Partido Unionista Democrático (DUP) recusou apoiar a formação do governo até que as questões que envolvem o Protocolo estejam completamente sanadas. Além disso, segundo o DUP, o Protocolo implicou um afastamento da região do restante território do Reino Unido – declaração que infligiu maior pressão ao governo de Londres para agir e culminou na alteração unilateral de partes do acordo negociado com a UE.

A estratégia do governo britânico para rasgar partes fulcrais do Protocolo através da introdução de legislação também foi repulsa pelo primeiro-ministro da República da Irlanda (taoiseach), Micheál Martin, que a considerou um “vandalismo económico” para a Irlanda do Norte, numa entrevista concedida à BBC. Já para o governo britânico, a alteração do acordo pretende não só conceder mais poder para alterar aspetos do Protocolo às várias regiões que compõem o Reino Unido, sobretudo à Irlanda do Norte, mas, simultaneamente, facilitar a entrada de mercadorias nesta.

Para o governo britânico, existem muitas questões e falhas associadas ao Protocolo ainda por resolver; porém, optou por avançar para uma decisão unilateral, em detrimento da continuidade das negociações com a UE. As negociações e o respeito pelo direito internacional – ou como gostarem de chamar – foram uma característica nuclear em todo o processo negocial para o Brexit; mas, com a decisão tomada por Londres, a posição da UE ficará cada vez mais intransigente. O vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, mencionou que a decisão do governo britânico não possui “qualquer justificação legal ou política”, e a UE deu início a procedimentos legais de infração contra o Reino Unido. Sopram-se as velas, mas o Brexit persiste.