Na crónica Ser ou não ser cigano, eis a questão!, publicada no Observador do passado sábado, 23 de Novembro, escrevi: “Mesmo sendo duro de ouvido e caixa-de-óculos, nem sequer pertenço à privilegiada minoria que, à conta das suas deficiências, tem direito a um lugar de estacionamento na via pública”. Mas, prevendo interpretações alheias às minhas intenções, acrescentei, em Nota final: “Com este texto não se pretende (…) desconsiderar (…) os deficientes (…)”.

Não obstante essa Nota final, houve quem entendesse que essas minhas palavras eram um insulto às pessoas portadoras de deficiências, ou uma crítica ao seu mais do que justificado direito a estacionamento privativo na via pública.

Por esta razão, esclareço que não foi minha intenção ofender minimamente nenhuma pessoa deficiente, como era óbvio pelo facto de eu próprio me apresentar como portador de duas deficiências que, embora não sejam graves, podem vir a sê-lo.

Nesse texto, mais do que uma inverosímil ofensa a qualquer minoria, pretendi expressar a incongruência de estratificar a sociedade em minorias, ou classes de vítimas, não obstante a muita consideração que me merecem, como não podia deixar de ser, os mais desfavorecidos. Sem esquecer estas diferenças – sejam elas físicas, étnicas, raciais ou outras – pretendi sublinhar a comum dignidade humana, na igualdade de direitos e deveres que a todos, sem excepção, devem ser reconhecidos. Quando se dá a tónica à razão da discriminação, por legítima que seja, como é certamente a deficiência física, está-se necessariamente a desvalorizar o que é essencial e comum: a dignidade humana.

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Uma ideologia que aparentemente privilegia as minorias, na realidade fomenta a discriminação, por dar mais importância ao que é secundário, em vez de reconhecer a primazia do que é essencial. Como alguém disse: ‘eu não sou um doente, mas uma pessoa que tem uma doença’. A sociedade que o Cristianismo propõe e eu, como é óbvio, defendo, põe o acento tónico na comum dignidade humana, na igualdade de todos, mesmo que algumas especificidades não possam, nem devam ser, ignoradas. Mas essas características acidentais – até porque podem não ser definitivas como, por exemplo, algumas doenças – não devem subsumir o que é essencial.

Era esta a tese que me propus transmitir através desse meu texto, mas temo que a forma não tenha sido a melhor. Quero crer que os leitores que interpretaram as minhas palavras de forma diametralmente oposta ao meu pensamento e sentimentos, façam agora o favor de reconhecer a legitimidade deste meu ponto de vista, que nada tem de ofensivo para ninguém, muito menos para as pessoas deficientes, pelas quais sempre tive, como sacerdote católico, uma especial predilecção.

Não me acusa a consciência de nenhuma ofensa a ninguém, mas não sou indiferente ao sofrimento que, involuntariamente, possa ter causado. A quem padece alguma deficiência, em si mesmo ou, o que é ainda mais doloroso, no seu próximo, peço que me desculpe e aceite o único que tenho para lhe dar: a bênção de Deus e uma especial lembrança nas minhas orações.