Notas prévias:
- A eleição da mesa da Assembleia da República (AR) é do interesse dos portugueses. Devia ser superior aos interesses dos partidos, por mais legítimos que estes sejam.
- Os partidos (e os políticos) existem para servir o povo.
- Exigir à priori um acordo para eleger a mesa do principal órgão de representação do povo, para que os políticos possam servir o povo, é duma imaturidade e insegurança a toda a prova.
- Qualquer tipo de entendimento para a eleição da mesa da AR devia advir do sentido da responsabilidade e duma genuína intenção para servir o povo.
Tendo em conta o que se passou no primeiro dia da XVI legislatura, vamos considerar um cenário baseado nos resultados de 10 de março, em que o PSD e o Chega trocam de posições.
Alguém dúvida que André Ventura é o líder do Chega? Não! Portanto, se algum outro dirigente (e deputado) do Chega, por exemplo, Pedro Pinto, Bruno Nunes, Pedro Frazão e até Rita Matias, dissessem que não havia nenhum “entendimento”, o que qualquer líder partidário prudente e responsável (neste cenário, o do PSD) deveria fazer era solicitar uma reunião com o líder do Chega para esclarecer dúvidas de modo a possibilitar a eleição da mesa da AR.
Foi isto que André Ventura fez? Não. Se Ventura e o Chega ficaram na dúvida sobre a eventual validade do “entendimento”, nada fizeram. Preferiram o espetáculo, deplorável, na minha opinião, para depois se vitimizarem. Na prática, Ventura fez aquilo que acusa os outros de lhe fazerem.
A segunda e a terceira votação confirmaram as evidencias. O Chega vota em bloco, com uma disciplina que só tem par no PCP. É estranho que os deputados do Chega se comportem como delegados, especialmente em sufrágios secretos e individuais, mas é algo que está no seu direito fazerem.
- Sinceramente, achei um erro o “não é não”. Mas algo que claramente se referia à pertença do Governo e/ou a eventuais acordos parlamentares não impedia o funcionamento da governação e da democracia.
- Ao justificar a sua atitude com uma interpretação integral do “não é não” o Chega criou um bloqueio à democracia. É tão simples como isto!
A política portuguesa tem de se preparar para uma nova cassete. Tivemos o período da cassete comunista. Agora vamos ter o tempo da cassete “cheguista”. Notem que entre estas duas cassetes há semelhanças. Os comunistas arrogavam ser moralmente superiores. O Chega acha que são moralmente justos. E tal como a cassete comunista, a cassete “cheguista” não passa da repetição das mesmas ideias: não se pode humilhar os 1,2 de votantes do Chega. Portanto, vitimização! E como o Chega se julga moralmente justo, tem o direito de humilhar todos os portugueses que não votaram neles. Não há dúvida que age como tal.
Não sei como classificar este jogo político do Chega? Triste, no mínimo. Sei que o Chega optou por ser um problema. Felizmente, tornou claras as suas intenções. O Chega quer ser Governo. E não desistirá enquanto não o for. André Ventura está convencido que vai disputar a vitória com o PS. Continua em campanha eleitoral. Não vai respeitar os resultados eleitorais e vai continuar a espezinhar todos os outros portugueses.
Escrevi este texto no dia seguinte a estes acontecimentos. Mantendo a intransigência, o chega voltou a apresentar mais um candidato à presidência da mesa da Assembleia da República (AR). Ao fazê-lo, André Ventura, para além de ter mantido um bloqueio deliberado ao funcionamento da casa da democracia, foi incapaz de apoiar o candidato da direita viabilizando uma futura presidência socialista da AR a partir de 2026.
É indesmentível que o Chega optou por ser problema. E que também escolheu ser parceiro do PS. E acabou por levar uma bofetada de luva branca muito bem dada porque o PSD, mantendo a sua palavra, aprovou o candidato Chega à vice-presidência da AR.
Post-Scriptum: Apesar da matemática não enganar (AD + IL = 88 / PS + BE + CDU + Livre + PAN = 92) o Chega é livre para fazer o que bem entender. Não é obrigado a nada. Mas, se o Chega se abstiver ou votar contra, a esquerda ganha. Facto!
Há dúvidas quanto ao que esperar do Chega? Vamos ter um ciclo político em que o Chega e o PS vão competir nas narrativas e pelo papel de Calimero. Assim, creio que a coligação negativa (PS + Chega) se irá verificar mais vezes. É o melhor meio para provocar eleições o mais brevemente possível.
Post-Post-Scriptum: não deixa de ser delicioso ouvir a demagogia de Ventura sobre a distribuição de lugares e tachos e depois ver deputados do Chega eleitos para esses mesmos lugares e tachos.