Estão perplexos com este Watergate de faca e alguidar, com furtos, sequestros, agressões, ameaças e apagamento de telefones num ministério? Ainda não perceberam o que poderia estar num computador para justificar tanto circo? Parece-vos que não é possível continuar assim? Pois bem, deixem-me perguntar-vos: é a primeira vez que sentem isso? Têm andado distraídos? Não, isto pode ter-se tornado mais burlesco, mas não começou agora. É assim que as coisas são quando o PS está no poder.

A partir de 2001, quando António Guterres abandonou o governo perante o risco de penalização europeia por défice excessivo, criou-se a ideia de que a governação socialista era incompatível com a estabilidade orçamental. Em 2011, a bancarrota de José Sócrates confirmou a tese: para dominar a sociedade, o PS aumentava o Estado, e o desequilíbrio era inevitável, porque os custos do Estado impediam o crescimento económico necessário para diluir sem esforço a despesa. Desde 2015, porém, o PS enrolou-se na bandeira das “contas certas”, e passou a ser cumprimentado por isso. É uma conversão falsa: o PS continua a expandir o Estado, e a sua despesa. Os funcionários diminuíram de 727 mil em 2011 para 659 mil em 2015, mas com António Costa, aumentaram até 733 mil em 2021. A despesa pública desceu de 93 mil milhões em 2010 para 86 mil milhões em 2015, e subiu para 107 mil milhões em 2022. As “contas certas” socialistas devem-se fundamentalmente à maior carga fiscal de sempre, correspondente a um dos maiores esforços fiscais da UE, e à garantia do BCE, que dissuade os mercados de manifestarem a sua desconfiança como em 2010.

Mas esse é apenas um dos lados do poder socialista. Há outro, ligado a esse: é uma cultura política de cinismo, para a qual a luta pelo poder não admite regras nem deve ter limites. Estamos perante um grupo para quem a ocupação do Estado, e o controle de instituições e empresas, da banca à comunicação social, deve ser praticado sem quaisquer escrúpulos. Agem como se a política democrática fosse uma guerra civil, em que vale tudo. A lei? É para os outros. A verdade? O que importa são as “narrativas”. José Sócrates foi a referência desta atitude, mas os que governam desde 2015 são os que governaram com ele. Admitamos que não sabiam do aproveitamento pessoal de que Sócrates foi acusado; mas dificilmente terão deixado de perceber o seu projecto de poder. Nunca, que se saiba, estranharam o que um magistrado do Ministério Público considerou uma subversão do Estado de Direito. Era isso que estava em causa, e é isso que continua a estar em causa. No caso da TAP, eis uma empresa que não foi apenas nacionalizada, mas governamentalizada. Ontem, o ministro disse que era normal que tivesse organizado uma reunião de deputados do PS com a CEO da TAP para combinarem perguntas e respostas no parlamento. Quem quis perceber, percebeu: o que quer que um ministro socialista faça, passa a ser normal. Assim pensava Nixon: “when the president does it, that means that it is not illegal”.

Sim, a ultrapassagem do país pelas economias mais pobres da UE ou a imigração dos jovens diplomados são graves. Dão ideia da degradação da economia portuguesa e da baixa de expectativas sob o poder socialista. Mas o modo como os governantes parecem viver num mundo pós-institucional e pós-moral, em que a promiscuidade, o abuso de poder, a irregularidade, e a mentira são normais, não é menos grave. Com a subversão de regras e procedimentos, arruínam a confiança nas instituições, sem a qual não há democracia. Sim, não é exagero: este PS, com ou sem Sócrates, é uma ameaça à democracia. A maior de todas desde 1976.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR