1 As ideias que surgiram com as revoluções americana – todos os homens nascem iguais e a procura da felicidade – e francesa – [o tríplice princípio da] liberdade, igualdade e fraternidade – originaram uma mudança sem precedentes na história da humanidade.
Os conceitos supramencionados são abstratos. São valores. Não são instrumentos ou mecanismos. A liberdade é, na minha opinião, o mais alto dos valores, mas dela decorre toda a responsabilidade. Já George Bernard Shaw dizia: “Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo dela”. Hoje em dia, se perguntarmos às pessoas o que é a liberdade, dificilmente obteremos uma resposta errada. Contudo, será raro conseguir uma resposta completa. A resposta mais comum será a possibilidade de escolha. Todavia, as escolhas, tangíveis ou intangíveis, não tem consequências? Naturalmente que sim. Logo, liberdade não é apenas a possibilidade de escolher. Liberdade é aceitar as responsabilidades das escolhas que fazemos. Inclusive, quando optamos por insultar alguém.
Seguidamente, é urgente perceber que não existe igualdade no plano individual. Apenas desigualdade. Só é possível perceber a igualdade se subirmos dois níveis: o primeiro, os países (que também são desiguais) e, o segundo, a espécie. Consequentemente, só quando observamos «a humanidade» é que deixamos de distinguir os indivíduos. Por fim, a fraternidade, que pode ser perspectivada como a tradução da harmonia que possibilita um meio para ultrapassar o estado da natureza.
Transpostos para uma Constituição, estes valores permitem aos cidadãos perceberem os limites da sua ação, a igualdade da sua condição diante a lei e as regras da convivência social. Por outras palavras, é pela e perante a lei, como cidadãos, que as características individuais, embora reconhecidas, são tratadas do mesmo modo e que oportunidades de realização do seu desigual potencial são facultadas a todos os cidadãos.
2 O Estado não existe à-priori. Resulta de um processo de agregação social. E a determinado ponto, foi consolidado politicamente pela tomada de consciência da necessidade de limitar a liberdade impossível (poder ilimitado do Rei) de forma a concretizar a liberdade possível (Constituição).
O Estado é a convenção à-posteriori que impede o abuso e a arbitrariedade de todos, principalmente de quem tem poder, enquanto garante a possibilidade da liberdade a qualquer um. Contudo, qualquer acto de liberdade individual, intangível ou não, exercido por qualquer pessoa não é ilimitado. A liberdade existe dentro dos parâmetros da Lei. Ultrapassados esses limites, haverá consequências. Entre liberdade e responsabilidade existe um nexo indissociável.
Ora, consciente da responsabilização inerente aos nosso actos, sempre defendi, e continuo a defender, que não deve haver limites à liberdade de expressão. A ironia, o sarcasmo e até o insulto devem ser permitidos. A educação não é uma obrigação. É uma opção. A diferença deve ser dada por quem se expressa. E é precisamente pela amplitude da expressão utilizada que quem se expressa revelará a sua natureza. Para além disso, uma liberdade de expressão ilimitada não impede a responsabilização de quem diz o que quer. E o assumir dessa responsabilização pode perfeitamente acontecer em tribunal.
3 Não gosto da palavra tolerância. Prefiro aceitar a diversidade e a diferença. Tolerância implica condescendência. Quando os ditos tolerantes se manifestam fazem-no exibindo toda a grandeza da sua superioridade e arrogância. Como donos da verdade, estão indisponíveis para dialogar. Só eles tem razão e agem como se fossem moralmente superiores. É por isso que não é suficiente afirmar a diversidade. É imperioso defendê-la. A diversidade conduz ao respeito.
Não podemos ignorar o passado. Devemos combater a intolerância sem cair na tentação de a substituir por outra. Trocar uma intolerância por outra intolerância não é a solução. A melhor maneira para combater o discurso do ódio é através de mais liberdade de expressão. Jamais o será pelo silenciamento. Qualquer medida que vise a restrição da liberdade de expressão deve ser ferozmente combatida, pois poderá transformar-se num meio de censura e de condenação.
Por exemplo, nem a retórica falaciosa do Mamadou Ba, nem a do André Ventura, podem passar incólumes na sociedade. Ambas devem ser objecto de contundentes críticas discursivas, sendo essencial que essas críticas evidenciem a plenitude da ilusão que os intolerantes prometem. E quando as palavras dos intolerantes incitam à acção, não é admissível ficar em silêncio.
O silêncio dos indiferentes não os iliba das responsabilidades. É pelas acções dos intolerantes que se esvanece a liberdade.
Membro da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal