A acusação a um antigo PM por corrupção, no exercício das suas funções de chefe do governo – é importante salientar — é um acontecimento político extraordinário. A personalidade invulgar de Sócrates torna o caso ainda mais especial. Nos últimos anos, tenho lido o máximo possível sobre o caso, incluindo alguns livros que foram publicados. Uma pessoa que se interesse pela política portuguesa, não pode ignorar o caso Sócrates. Quem segue o caso, tem as suas opiniões. Estou convencido que ele é culpado, pelo menos, de algumas das acusações (sobretudo porque a sua vida é feita de suspeita, desde os envelopes do dinheiro até uma vida académica no mínimo estranha). Também estou convencido que Sócrates se julga inocente. É sobre o segundo ponto que me interessa escrever.

Sócrates veio da província para Lisboa cheio de ambições. Ambições de poder e de riqueza. Percebeu, desde muito cedo, que a inscrição num dos grandes partidos políticos seria fundamental para acumular poder e riqueza rapidamente. Sócrates chegou a esta conclusão porque era a realidade que ele observava. Não criou nem o sistema político português nem o PS. Mas terá visto muita coisa. O mundo de Sócrates é de arranjos, de cunhas, de jeitos, de cumplicidades e de esquemas. Não conhece outro. Por isso, acha que todos os outros., no essencial, levam a vida como ele. E decidiu que também ele iria jogar com as “regras do jogo.” Começou a fazer o que julgava (e julga) que todos os outros políticos também faziam. A carreira no partido seria paralela à acumulação de poder e de dinheiro. Para isso, construiu e cultivou relações no sistema político, no poder locar e no poder nacional, e nas empresas. O seu poder serviria para facilitar a vida das empresas, e estas seriam a fonte dos seus rendimentos.

É muito difícil para uma pessoa obsessiva como Sócrates distinguir a realidade da sua percepção sobre essa realidade. Ou melhor, a percepção é o que no fim conta. Sócrates acha que a maioria dos políticos do PS e do PSD, tal como ele, usaram os seus contactos políticos para aumentar os seus rendimentos pessoais. Para ele, não interessa se é verdade ou não. Basta ele estar convencido de que é verdade. Mais, Sócrates acha que tudo isso é natural. Para ele não faz sentido pensar que a prática de pagar comissões a quem exerce o poder político seja condenável ou prejudicial para o país. Pelo contrário, é uma recompensa merecida para quem tanto trabalha pelo interesse nacional. Acredita que o seu único azar, e a razão porque foi apanhado, foi a conjugação entre a crise financeira, que destruiu o seu governo, e a aliança entre a direita no poder e o Ministério Público. Aliás, é ele que o diz.

Como muita gente também acho que a Joana Marques Vidal fez um excelente mandato como PGR, mas não faço juízos de valor nem antecipo comportamentos em relação à nova PGR. Não a conheço, nem tenho qualquer razão para desconfiar dela. O mesmo se aplica ao juiz Ivo Rosa. Aliás, será muito mau se o estado de direito em Portugal depender de duas pessoas.

O caso Sócrates será a principal questão para a nova PGR e, obviamente, para o juiz Rosa. Mas é muito mais do que isso. É, neste momento, a grande questão do regime político português. O futuro da credibilidade do sistema judicial e da legitimidade da democracia portuguesa estão em jogo. Depois de tudo o que se descobriu sobre a sua vida e a sua conduta como PM, se os portugueses desconfiarem que há uma intervenção política para salvar Sócrates será a confirmação de que ele está certo e o regime está corrupto. A investigação a Sócrates e, a acontecer, o seu julgamento, são também uma investigação e um julgamento ao regime político português.

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