Em Portugal, continuamos a olhar para os fundos europeus como uma espécie de “rendimento mínimo”. Somos meros utilizadores dos fundos em vez de programadores. O único objetivo que temos é o de executar os milhares de milhões de euros que recebemos do orçamento da UE sem cuidarmos da qualidade e mais-valia dos projetos. Muitas vezes usamos os fundos no limite da legalidade, uma vez que substituem o orçamento do Estado, o que viola o princípio vinculativo da adicionalidade.

Não planeamos, nem sabemos o que queremos.  A ausência de estratégia torna-se evidente quando o governo não articula o PRR com o Portugal 2030 e muito menos com os fundos e programas geridos centralmente pela Comissão Europeia, ou com instrumentos financeiros como o InvestEU. É inacreditável que o governo não saiba -ainda- como vai articular o Fundo Europeu de Desenvolvimento Rural com o Portugal 2030.

Nunca tivemos tanto dinheiro disponível: são mais de 50 mil milhões de euros em subsídios.

O “atual” PRR é de 18.2 mil milhões de euros e não de 16.6 mil milhões como tem sido referido. Este aumento de 1.6 mil milhões deve-se a más razões: por termos respondido pior à pandemia do que os outros Estados-Membros, Portugal no PRR recebeu um “bónus” de 1.6 mil milhões de euros em subsídios, passando de 13.9 mil milhões para 15.5 mil milhões de euros em subsídios. Na vertente dos empréstimos, Portugal só quis 2.7 mil milhões de um montante disponível de 14.2 mil milhões de euros a que podemos aceder até 30 de agosto de 2023. Não percebo como ninguém pergunta onde vão ser investidos os adicionais 1.6 mil milhões de euros que acabam por alterar o PRR aprovado inicialmente, e porque é que o governo só quis 2.7 mil milhões em empréstimos.

O calendário aperta: o Portugal 2020 tem de ser executado até 2023 e ainda tem mais de 5 mil milhões de euros por utilizar; o PRR tem de ser executado até 2026 e o Portugal 2030 até 2029. Note-se que o Portugal 2030 está atrasadíssimo, não se prevendo utilizar um único cêntimo em 2022! Perante este calendário, não tenho dúvidas de que os projetos que estiverem “mais à mão” e os que permitirem gastar o dinheiro mais rapidamente serão apressadamente aprovados, independentemente da sua qualidade e mais-valia. Sr. Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e Sr. Primeiro-Ministro António Costa notem e não se esqueçam: para além de não se perderem fundos, é imperioso executá-los apostando na qualidade, sinergias e mais-valias. Para isso, não continuem a fazer a pergunta mendicante “o que é que há a fundo perdido?”, mas perguntem antes “o que torna Portugal mais coeso, competitivo e sustentável?”.  Não acham que deviam ter ouvido e envolvido o território, as autarquias e os beneficiários para definirmos objetivos e prioridades nacionais e regionais? Não o tendo feito, espero que — pelo menos — saibam e nos digam que Portugal querem em 2030.

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