Andamos todos rendidos ao peso das notas. Duma forma imprudente! Pressupondo que — se é verdade que os melhores alunos tiram, regra geral, boas notas — por trás de qualquer boa nota há sempre um bom aluno (mesmo sem se esclarecer o que isso quer dizer). E que quanto melhores são as notas mais inteligentes eles serão. Considerando todas as escolas com classificações médias acima de 17 valores -~ e todos os alunos com classificações que se distribuem no intervalo que vai de 18 a 20 valores (e que, ano após ano, não param de aumentar) — se as notas atestarem valores reais de inteligência, então cada novo ranking lembra-nós que temos uma geração de génios. Sejamos razoáveis: tantas boas notas querem dizer que os estudantes, comparados com os seus pais, são, claramente, mais inteligentes? Ou que vivem a escola com as regras que os pais, hoje, dedicam ao trabalho? Ou que os critérios com que atribuímos boas notas são muito mais “adocicados”, têm as “vitaminas” de horas e mais horas de explicações, e têm nas notas dos exames — e na entrada na universidade (não no modo como se sai dela) — o grande objectivo de todo o percurso educativo, como se a vida “terminasse” aos 18, e como se depois dessa “rampa de lançamento” tudo o resto fosse um passeio?
Os rankings são uma espécie de quadro de honra das escolas. E como acontece com eles — quando juntam e seriam, à boleia de um número, alunos espertalhões e alunos “marrões”, alunos autónomos e alunos que têm as suas mães e equipas de explicadores a trabalhar para eles, alunos com vida e alunos “sem vida”, ou alunos leais e alunos desleais — uniformizam, com critérios de “objectividade”, um conjunto imenso de diversidades que não se revêem neles. Onde todos nos resignamos a reconhecer as notas como um valor inequívoco, porque numérico, que atesta a sabedoria de um aluno. Por mais que, 20 anos depois, os rankings tenham deixado de ser uma amostra “macro” da escola que temos e se tenham transformado num instrumento de marketing. Diante de tudo isto, a questão que se deveria colocar seria esta: faz sentido que haja “quadros de honra” das escolas? Não; se isso servir para comparar, com critérios homogéneos, escolas urbanas e escolas rurais, escolas de grandes centros populacionais e escolas do interior “profundo”, escolas que selecionam os alunos à entrada e escolas que os acolhem, de forma aberta, por exemplo. E sim; se retirarmos deles a informação indispensável para que se deixe de separar “escolas com bom aproveitamento” e “escolas com necessidades educativas especiais” (como se separam os “bons” dos “maus” alunos) e se aprenda com os erros. Com a certeza que quanto menor for a dispersão dos resultados escolares melhor será a escola.
É claro que os rankings alimentam muito a discussão entre o ensino público e o ensino privado. E a insinuação que o ensino privado dá, habitualmente, melhores notas que o ensino público. Haverá alguns exemplos de enviesamentos nalgumas dessas notas? Sim. Mas não poderá o ensino particular e cooperativo atribuir melhores notas, simplesmente, porque tem uma amostra mais uniforme de “bons alunos”? E não dará que pensar que, em 20 anos de rankings, as escolas do ensino público tenham vindo a cair dos primeiros 50 lugares, a ponto de restarem muito poucas entre as 50 “primeiras escolas”? E que, em vez de os encontrarmos a questionar a sua apreciação pessoal acerca da validade dos rankings, seria importante termos os responsáveis políticos a propor as medidas com que se inverta esta tendência?
Será o ensino público mais inclusivo? Suponho que estaremos de acordo que a resposta é: sim. Mas, apesar disso, é claro que os rankings – que são um instrumento de análise-macro muito importante – não podem reactualizar, todos os anos, uma discussão entre a esquerda e a direita, a propósito da função da escola. Em primeiro lugar, porque a escola pública é um Património da Humanidade. Em segundo lugar, porque não se trata de desvalorizar os rankings como forma de os transformar em inimigos da escola pública.
Trata-se, antes, considerando os rankings, de perguntarmos o que tem feito a escola pública para esbater as diferenças para com o ensino particular e cooperativo? Se a lógica for darmos aos rankings a fidedignidade que os números parecem merecer, e imaginando (em tese) que os professores do ensino público e do ensino particular e cooperativo tenderão para um mínimo denominador comum mais ou menos idêntico, conclui-se — porque há cada vez menos escolas públicas entre as “50 melhores” — que, desde há 20 anos, o ensino publico tem vindo a piorar. É claro que esta poderá ser uma conclusão brutal.
Mas não pode tudo isto querer dizer que a distância, que se vai acentuando, entre os alunos do ensino público e do ensino privado, faz com que a escola acentue desigualdades, ao contrário daquilo que pretende? E quais são os instrumentos para que tudo isso mude? Tem-se apostado mais na autonomia das escolas? Na adequação curricular? Nos critérios de avaliação? Na formação dos professores? Como se pode querer mudar a escola pública sem que mexa em quase nada? Isto é, que medidas é que a escola pública preconiza para que, de dentro da escola para fora dela, se esbatam as discrepâncias sociais e se democratize a escola? Ainda, muitíssimo mais, em anos de pandemia, onde os resultados escolares, com base nos resultados dos exames, nos levariam a supor que não se passou nada?
(Mas já nós teremos esquecido que houve discrepâncias inacreditáveis no acesso à educação, em 2020? E que houve alunos que, por carências sociais e económicas, não foram à escola durante semanas? E que os alunos com necessidades educativas especiais contam, como têm de contar, e que parece que nem com eles os resultados escolares da pandemia se “constiparam”? Os alunos melhoraram os resultados, simplesmente, ou os apoios que tiverem — por exemplo, da parte dos pais — foram melhores? Se melhoraram, e se isso nos enche de orgulho, vamos replicar o modelo de escola na pandemia para que os resultados não regridam? Ou terão sido os exames mais “versáteis” ou, quiçá, mais “adocicados”?)
Terão sido os resultados nos exames do secundário, em 2020 — em que todas as escolas viram as notas subir, a ponto de haver algumas que subiram a sua média em 5 valores — uma forma de nos alertar que o ensino à distância será o futuro da escola ou estes resultados trazem um bocadinho de absurdo aos próprios rankings?
E que boas-novas trouxeram os rankings à universidade? Se consideramos os rankings a partir dos resultados dos exames objecto de críticas tão “unânimes”, não seria de perguntarmos se os exames serão mesmo uma prova de aferição indispensável? Ou — não o sendo, porventura — por que motivo os tomamos em tão grande consideração? E, já agora, por que razão mantemos, teimosamente, esta prova de aferição como “o método” para aceder ao ensino superior? Não deveriam ser as universidades a deixar um “estar aristocrático” e a participarem, activamente, na selecção dos seus estudantes? E, apesar de reconhecermos o que tem de precioso o ensino obrigatório, prolongado por 12 anos (e a educação infantil, onde fica ela?), a escola serve só para preparar os estudantes para os exames (como, às vezes, chega a parecer)? E, depois, porque é que se alimenta esta clivagem público/privado se os alunos melhor classificados acabam, regra geral, por pretender ingressar nas escolas superiores públicas? E será que os resultados “à saída” dessas escolas refletem a disparidade de notas que eles tiveram à entrada? Se não, como acontece, serve a universidade para aferir a qualidade dos alunos ou, mais simplesmente, serve a inflação absurda de notas “exorbitantes” que se observa para se criar uma ilusão de sabedoria que não existe? E, se for assim, quem ganha com isso?
Já agora, 20 anos depois, era importante que nos perguntássemos que mais-valia trouxeram os rankings ao ensino superior? Estará ele melhor, estes anos passados? E ao ter acolhido tantos bons alunos e crescido com eles, terá o ensino superior apurado competências ou, ele também, rendeu-se a uma deriva populista de boas notas, passando a atribuir classificações inflacionadas? Tornou-se mais atento ao contraditório ou mais amigo da unicidade? Mais aberto ou mais fechado? Tornou-se mais personalizado ou ter-se-á “industrializado”? Mais atolado nos rankings ou com vistas mais largas?
Chegados aqui, todos precisamos de respostas. Os rankings não podem ser uma tempestade de areia que, todos os anos, por esta altura, nos assola. 20 anos de rankings obrigam a perguntar o que fizemos com eles. A escola melhorou depois dos rankings? Mas se não fizemos tudo aquilo que a escola teria merecido que fizéssemos, em que lugar do ranking merece estar a nossa falta de atenção (sobretudo se, com ela, quem se prejudica são os nossos filhos)?