Conselho de Juan Perón a Carlos Ibañez, Presidente do Chile, em 1953:
Dê tudo o que for possível às pessoas, especialmente aos trabalhadores. Quando lhe parecer que já deu demais, dê-lhes ainda mais. Vai ver que resulta. Todos lhe tentarão meter medo com o fantasma do colapso económico. Mas tudo isso não passa de mentiras. Não há nada mais elástico do que a economia, algo que toda a gente receia porque ninguém a entende.

Esta citação do mentor da bancarrota da Argentina, país que passou de potência económica nos princípios do Séc. XX para uma crise interminável e sem fim à vista, parece ajustar-se aos objectivos de governação que vamos ouvindo em Portugal. Um governo que, sem saber como criar riqueza, declara que está disposto não só a dar, mas melhor do que isso, a pressionar as empresas privadas a dar também.

As televisões e os jornais, entretidos a alimentar preocupações com temas mais aliciantes como a regionalização e a eutanásia, lá vão por vezes dando voz a alguns economistas que desesperam com a constatação dos últimos 20 anos de estagnação da economia em Portugal. Período em que, recorda-se, fomos ultrapassados pelos países do Leste, recém-entrados na União Europeia. Inevitavelmente, lá surge a explicação do nosso insucesso, com os custos da adesão ao Euro. Porque de acordo com a crença geral, a adesão nos tirou o passe de mágica da desvalorização cambial para resolver na secretaria os problemas reais da falta de competitividade. Inexplicavelmente, não se ouvem muitos economistas a explicar que, se não tivéssemos entrado no Euro, a nossa liberdade para fazer de espertos cambiais seria quase nula dentro da economia gigante que é a europeia, governada em Frankfurt por um poderoso Banco Central. A nossa vida fora do Euro, com os nossos magros recursos e os nossos problemas bem evidentes, seria certamente bem complexa e sujeita a sustos permanentes. Que não haja ilusões: a explicação para a nossa mediocridade reside essencialmente no nosso modelo de governação.

Somos uma pequena economia aberta, sem capital acumulado, sem crescimento económico, sem ambição, que está dependente do turismo e onde os principais agentes económicos e financeiros instalados já não pensam em português. A nossa governação pública é por regra reactiva, incapaz de prever, planear e tomar medidas correctivas, a não ser quando os efeitos negativos já estão na sua plenitude. Viajamos em piloto automático, guiados pelo que acontece em Bruxelas, Frankfurt, Washington e nos mercados financeiros globais. As forças de progresso internas estão limitadas aos empreendedores que ainda não emigraram e agora também aos que para cá vieram, procurando refúgio social e oportunidades de negócio numa terra simpática onde o sol deixou de ser apenas um ingrediente do turismo para passar a ser também fonte de energia e de lucro.

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Ao imbróglio interno junta-se agora a maior conjugação de factores externos negativos das últimas décadas, factores que ainda sobraram das recentes crises financeiras globais, da pandemia global, da crise climática e das fragilidades políticas na Europa e nos EUA. Só faltava mesmo acrescentar agora uma guerra total (ainda não nuclear) na Europa.

Estamos num momento de acerto planetário das forças geoestratégicas, com a novidade da agressividade chinesa, que perdeu a timidez para ambicionar a liderança global, a que se veio juntar a agressão militar da Rússia. Um mundo global que não tinha ainda reencontrado o equilíbrio depois dos cataclismos financeiros e sanitários, arrisca-se a mudar para uma nova normalidade, em que regressa o direito do mais forte ao uso da força contra vizinhos e em que as forças deixam de ser medidas por unidades económicas para o passarem a ser em número de canhões.

Às dificuldades já existentes no funcionamento da cadeia produtiva global, junta-se o aumento desenfreado dos preços da energia e as movimentações humanas em larga escala, que procuram desesperadamente refúgio para a sua sobrevivência. Este momento de desequilíbrio alimenta uma esquizofrenia inflacionista, que vai ganhando auto promotores e provocando reacções das autoridades monetárias, que vão utilizar o seu poder para tentar causar impacto no funcionamento da economia, ampliando os factores recessivos já em funcionamento.

Enquanto a vida no mundo se complica e crescem as interrogações sobre que tipo de riscos nos esperam, a vida política em Portugal, ignorando os riscos externos, parece hoje pautada pela intervenção pública na hegemonização do salário mínimo e nas dificuldades no mercado da habitação, sendo que estas últimas podem eventualmente ser minoradas pelos investimentos do PRR.

Os riscos de recessão económica global são reais, potenciados pela inflação, pelo seu impacto no consumo e pelo efeito dos remédios de política monetária anunciados. No entanto, salvo alargamento do conflito militar na Europa e contando com uma atitude mais ponderada do BCE (do que a manifestada pela FED), é possível que os efeitos recessivos na Europa não atinjam os níveis catastróficos que conhecemos a meio dos anos 70 e no início da década de 80. Riscos que bem nos lembramos, foram alavancados até à última potência em Portugal, pelas loucuras ideológicas da altura.

Uma conjuntura externa devastadora e uma política interna cega e irresponsável, já levaram Portugal ao fundo.

Será diferente desta vez?