Em terras de Trás-os-Montes, o Presidente da República foi confrontado, nestes conturbados dias, com o desespero de dois cidadãos que verbalizaram com intensidade, mas apesar de tudo com correcção e respeito (como aliás as gentes da montanha normalmente fazem), a sua insatisfação com o estado a que chegou o País. Desespero provocado por esta realidade nacional em que os problemas se sucedem sem que apareçam as soluções, onde os poderes instituídos se revelam incapazes de melhorar a situação e se esgotam no exercício do faz-de-conta.

Sabemos que em Portugal há já 50 anos que se fala de um projecto para um novo aeroporto e há cerca de 30 que se estará a conceber o plano para o comboio de alta velocidade, mas nada disto existe ainda. Estes são exemplos, entre muitos outros, de como nos deixamos empobrecer calmamente, abdicando de lutar pelo futuro. Curioso é que, nesta nossa terra, o fracasso da acção na coisa pública não teve até agora custos políticos.

António Costa, demonstrando total desinteresse em reformar o que quer que seja, ganha, mesmo assim, a maioria absoluta para governar. Os Portugueses parecem reagir como a Marquesa de Salisbúria que, ouvindo a Rainha Vitória falar em necessidade de reformas, declarou indignada: Querem mudanças? Não estão as coisas já suficientemente mal agora? Pois parece que o melhor será ficarmos com a mediocridade tranquila, apesar dos jovens à saída das Universidades terem de rumar mundo fora à procura de trabalho, do SNS não responder, da Justiça não existir, dos estragos dos incêndios não serem revertidos, das Escolas públicas estarem permanentemente em greve e de não se saber ao certo se haverá dinheiro para as pensões.

De modo geral, o burburinho político e um poder que vai distribuindo pequenas benesses e aumentando o salário mínimo, adormecem a indignação. Mas, como se viu, há gente em Murça que se indigna, olhando para as serras despidas de esperança e que grita para ser ouvida pelo Presidente. E que esclarece enfaticamente que ouvir os poderosos falar, mesmo que o façam com propriedade, não resolve nada. O que é preciso e urgente é agir.

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O problema é que agir por agir, sem competência e sem sentido, não resolve nada e, pelo contrário, ainda pode complicar e estragar mais as coisas. De facto, o ex-ministro Pedro Nunes dos Santos, aliás em contraponto com o resto do Governo, agitou-se nos últimos anos, manifestando grande voluntarismo na acção. Com a sua demissão, parece agora candidatar-se ao papel de vítima do imobilismo vigente. Herói da esquerda do PS, temos presente, aquando da nossa última crise da dívida soberana, a bravata que dirigiu aos alemães, ameaçando-os com represálias sérias, que, como era natural, eles ignoraram.

Já neste Governo lançou-se com denodo e galhardia em iniciativas bombásticas. Como foi o caso do novo aeroporto em que, inacreditavelmente, anuncia a solução deste magno problema sem aparentemente ter dado uma palavra ao Primeiro-Ministro ou aos seus colegas do Governo. Como se um ministro sectorial afinal governasse sozinho. Uma matreirice destas deveria ter-lhe valido o caminho imediato da porta dos fundos, mas nesta suave terra resultou num perdão magnânimo por alguns classificado de humilhação. Afinal PNS só queria o bem comum, resolver algo que, de facto, se arrasta para além do razoável.

Mas foi na defesa da nossa TAP nacional que PNS lidou a grande batalha, com o objectivo manifesto de a libertar do jugo dos capitalistas privados. Com ares de grande político, aplicou-se de corpo e alma para dar à TAP o melhor que uma empresa de aviação poderia ambicionar.

O resultado está aí. Corridos a poder de dinheiro dos contribuintes, os malfadados capitalistas foram à sua vida, depois de terem reaberto o caminho aéreo dos turistas para Lisboa. Com este saneamento, PNS lança-se na reestruturação da nossa Companhia de bandeira e, com leviandade, vai a Bruxelas pedir cumplicidade para a salvação deste património nacional. Volta, contudo, com uma solução muito mais prejudicial do que aquela que outras Companhias aéreas europeias, num ambiente de crise generalizada da aviação em resultado da pandemia, haviam logrado obter. Acabou por ganhar a pior solução que era possível obter.

Se PNS fosse um gestor privado, a sua carreira teria terminado aí mas, sendo um político carismático e palavroso, bastou-lhe contar com o cinismo de António Costa e a miopia dos media para continuar alegremente o seu papel. Quanto à gestão de excelência internacional para a TAP, ganhámos uma senhora francesa simpática, mas sem grande currículo, que veio substituir um brasileiro com quem PNS antipatizava (e que assim foi empurrado para presidir a uma das maiores Companhias de Aviação do mundo).

O saldo das ajudas à operação TAP/PNS é, actualmente, de mais de 3 mil milhões de euros vindos do bolso dos contribuintes. Pacote gigante que, afinal, parece não garantir o futuro da Companhia, sendo que a aparente intenção do Governo é, agora, a de ir à procura de um capitalista estrangeiro e convencê-lo a ficar com esta TAP, como se fez com o Novobanco. O balanço deste falhanço não pode naturalmente ser atribuído unicamente a PNS. O Governo, na sua totalidade, ganha solidariamente esta pesada medalha de incompetência e estupidez.

TAP, Novobanco, SNS, Aeroporto, Justiça, Incêndios, Inundações, Educação e Pensões são componentes de uma galáxia tenebrosa que fez elevar a voz da indignação em Murça.

Mais ninguém se queixa?