Imagine que a praia fluvial do Tejo onde costumava ir ao fim da tarde ou no Verão está invadida por mariscadores e que à saída, alguns, se despem à frente de todos e onde também se assistem, por vezes, a rixas, sem que a polícia ou quem quer que seja manifeste intenção de resolver o problema. Imagine que a praceta da pequena vila onde vive lhe transmite insegurança porque não entende aquelas novas pessoas que por lá aparecem. Imagine ainda que precisa de uma casa e na sua terra ou bairro sabe que vão sendo alugadas a estrangeiros endinheirados, que quase nunca cá estão, ou estão sobrelotadas com imigrantes que vieram em busca de uma vida melhor. Imagine que é um jovem, que se licenciou, que já está quase com 30 anos e continua a ganhar menos de mil euros, salário que apesar de tudo não é mau porque em casa vê que o pai ou a mãe, com uma vida de trabalho, ganham pouco mais. E podíamos continuar na Saúde, na Educação, na Justiça. Tudo isto ao mesmo tempo que à noite ouve declarações políticas sobre um país maravilhoso onde vive, alguém, que não certamente o seu caso.

O retrato que se acabou de fazer pode parecer ficção para quem vive protegido no centro das grandes cidades. Mas basta que saiam um pouco para o resto do país para perceberem que não é assim. E foi exatamente isso que refletiu o resultado eleitoral, portugueses fartos de não serem ouvidos, fartos de não verem quem os lidera preocupado em resolver problemas concretos do seu quotidiano, suspeitando até que os desconhecem, tal é a abordagem abstrata que fazem do estado do País e a energia que gastam em tácticas e propaganda política.

Claro que boa parte daqueles problemas são difíceis de resolver. Por exemplo, combater os mariscadores é criar um problema social já que é aí que algumas pessoas, especialmente imigrantes, vão buscar o seu sustento. Como não é fácil resolver o problema das más condições em que vivem alguns imigrantes. Bem podem existir entradas mediáticas de polícias pelas casas que tudo volta ao que era quando todos se vão embora.

Mas um problema difícil de resolver não é impossível. É preciso começar por aceitar que o problema existe, diagnosticá-lo e começar a ver com que ferramentas se pode resolver ou pelo menos minimizar. A maioria dos portugueses sabe que precisamos de imigrantes e não quer um país securitário, autocrático e conservador. Mas quer os seus problemas resolvidos.

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Ainda esta semana saberemos quem vai liderar o Governo e com que equipa. O mais provável é ser a AD e Luís Montenegro. E é muito importante que percebam qual a mensagem deixada pelo eleitorado que, mesmo quando discordamos dele, revela sabedoria. Como diz a presidente da Sonae, Cláudia Azevedo, “houve um grito de mudança, deixem-se de politiquices, entendam-se”. E disse mais: “As pessoas sentem que as políticas não tratam da sua vida. Disseram: ‘Por favor, entendam-se para corrigir as coisas’.

Se um empresário concentrado na gestão de um grupo entendeu a mensagem, maior obrigação tem um político cuja função é exatamente essa, a de perceber quais são os problemas que mais preocupam os seus concidadãos e tentar resolvê-los. Fazer menos marketing político, menos tática, e mais governação focada no interesse público é a prioridade.

Um novo Governo tem de se concentrar na resolução dos problemas, mais do que identificados. Não é segredo nenhum nem sequer física quântica – a maioria dos analistas políticos já abordaram a questão nas suas diversas perspetivas.

Primeiro é preciso pacificar os profissionais da Educação, das Forças de Segurança e da Saúde. Não há dinheiro para tudo, mas há seguramente dinheiro para corrigir injustiças cometidas por leviandade governativa – como o caso dos polícias – e para dar um sinal. Depois é preciso pôr a funcionar os serviços públicos em geral, com especial relevo para a escola e a saúde públicas. O plano de emergência na Saúde é fundamental, como importante é começar já a preparar o próximo inverno. Na escola tem já de se começar a olhar para o próximo ano lectivo e perceber como se consegue que as aulas comecem a horas e com professores.

Paralelamente é preciso olhar para a imigração, tentar resolver os problemas dos imigrantes, mas também das comunidades que se estão a sentir, para dizer o mínimo, desconfortáveis. Não nos podemos dar ao luxo de permitir que se esteja a formar uma sociedade anti-imigrantes porque precisamos deles para garantir o funcionamento da nossa economia, das tarefas menos qualificadas às mais. Sendo um problema complexo, é preciso envolver as autarquias na perspetiva da integração cultural e da resolução do problema da habitação, neste caso olhando também para as populações locais. A resolução do problema da habitação tem de ser mais prático, envolvendo igualmente as autarquias que podem estar mais disponíveis levando em conta a aproximação de eleições.

Finalmente, mas não menos importante, temos de abordar de forma mais assertiva a questão dos salários, o que passa por atacar as razões do fraco crescimento da produtividade. Acreditar que uma abordagem apenas por via dos impostos resolve o problema é uma ilusão. Claro que as empresas dirão sempre que é por causa dos impostos, mas mesmo que eles desçam veremos um salto no salário – se é que vamos ver, porque pode não acontecer –, mas não se está a atacar o problema mais estrutural da produtividade. Olhar para os outros custos das empresas é fundamental e, nesses, a burocracia é um deles.

O novo Governo tem obviamente de ter um perfil bastante político, porque está em minoria e enfrenta um complexo quadro parlamentar. Mas ser mais político não significa politiquice nem gastar as suas energias na propaganda. Ser político e desenhar e aplicar políticas públicas que se concentram na resolução dos problemas dos cidadãos é fazer política como deve ser feita. É preciso não esquecer que a política está ao serviço dos cidadãos, é preciso não confundir política com tática para satisfação intelectual de protagonistas e analistas. É tempo de mudar para as políticas mesmo com política.