Os regimes especiais de regularização de dívidas ao Estado são uma realidade relativamente frequente no nosso ordenamento jurídico-fiscal (totalizam-se cinco nos últimos 25 anos), que permitem aos contribuintes proceder à regularização dos seus débitos para com a Autoridade Tributária e a Segurança Social, beneficiando de um perdão, total ou parcial, dos juros e/ou das coimas que seriam devidos pelo incumprimento tempestivo da obrigação de pagamento.

Do lado do Estado, estes regimes aportam encaixes financeiros assaz consideráveis, abdicando-se apenas da cobrança dos juros e/ou das coimas, o que não tem efeito na receita inicialmente orçamentada e que tão somente deixa de irrogar sobre o contribuinte uma censura pecuniária pela transgressão da obrigação fiscal.

Estes regimes excepcionais de regularização de dívidas ao Estado tiveram o seu exórdio em 1994, com aquele que ficou conhecido como “Plano Catroga”, em alusão ao então Ministro das Finanças do Governo de Cavaco Silva, sucedendo-lhe, em 1996, o “Plano Mateus”, lavrado na primeira legislatura de António Guterres, e, em 2002, o “Plano Ferreira Leite”, sancionado pelo executivo de Durão Barroso.

Após aproximadamente uma década de ausência destes regimes, o RERD (Regime Excepcional de Regularização de Dívidas) de 2013, permitiu ao executivo de Passos Coelho um encaixe de mais de 1,2 mil milhões de euros, e com o PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado) de 2016, o Governo de António Costa logrou arrecadar cerca de 1,1 mil milhões de euros.

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Não é, assim, despiciente a virtude destes regimes enquanto catalisadores de receita, correspondendo a média dos valores obtidos nos dois últimos planos de regularização a cerca de metade do valor da degradação do défice do Estado até ao passado mês de Julho (2,3 mil milhões de euros) em resultado das medidas de apoio às famílias e às empresas aprovadas pelo Estado no âmbito da crise pandémica.

Pese embora cunhados sob alguma controvérsia, sobretudo em virtude da ideia de impunidade dos devedores aos olhos de quem honra escrupulosamente as suas obrigações tributárias, não pode deixar de ser reconhecida a virtude pragmática destes regimes, tendo em consideração que os mesmos tornam possível a cobrança efectiva e imediata de dívidas fiscais que de outro modo levariam anos a reaver ou que corriam mesmo o risco de prescrever.

Destarte, num momento em que o Estado padece de uma aguda carência de receitas e em que os contribuintes se acham ávidos de algum desembaraço do espartilho fiscal, a aprovação de um regime especial de regularização de dívidas ao Estado e à Segurança Social traduzir-se-ia num sinergético encontro de interesses, ainda que sob a opróbria nuvem de uma aparente apologia ao incumprimento, que deslustra indelevelmente a bondade desta medida.

Poder-se-á redarguir que, pese embora esse interesse convergente, os contribuintes não dispõem, actualmente, de robustez financeira que lhes permita aderir a um plano desta natureza. Contudo, a experiência histórica alvitra que estes regimes são sempre muito bem acolhidos pelos contribuintes, que aqui encontram o ensejo de beneficiar de uma poupança que de outra forma seria impossível, revelando-se a cobrança coerciva da dívida por parte do Estado deveras mais pungente para o contribuinte que o custo de solver de um só trago todas as suas dívidas fiscais.

Acresce não ser de olvidar que o acesso aos regimes de apoios estatais presentemente em vigor (linhas de crédito, layoffs, etc.) impõe aos contribuintes que apresentem a sua situação tributária regularizada, ou seja, que não tenham dívidas tributárias ou, tendo, que relativamente às mesmas tenha sido prestada garantia idónea (salvo se a mesma tiver sido dispensada). Pelo que a aprovação de um regime extraordinário de regularização teria também a indirecta virtude de permitir a adesão de mais empresas aos referidos auxílios de estado, que tão fundamentais se afiguram para a sua sobrevivência.

Grife-se, por seu turno, que a linha de crédito especial para pagamento de impostos, que foi recentemente anunciada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, poderia ser a fonte de onde jorraria a liquidez necessária para os contribuintes aderirem a tal regime de regularização.

A capacidade estólica desta medida de regularização, enquanto geradora de receita imediata para o Estado, e a gravidade dos tempos que vivemos atenuariam o inevitável efeito insidioso da mesma, tendo em consideração que o resultado económico deste excepcional indulto a todos aproveitaria, inclusivamente aos assíduos contribuintes que certamente preferirão esta ignomínia traição ao habitual sestro do agravamento fiscal.