Deixemos por um momento a catástrofe da pandemia e concentremo-nos na degradação do regime. Com efeito, é muito provável que os governos do PS, assim como os do PSD+CDS, tenham prevaricado desde sempre por clientelismo, favoritismo e corrupção activa e/ou passiva! Hoje é certo que o PS, com a subida ao poder de José Sócrates manobrada desde Belém por motivos conhecidos, passou a governar por sistema através das múltiplas oportunidades de corrupção – material, política ou ética – que se oferecem, num país cuja cultura cívica foi sempre baixa e pouco melhorou desde o 25 de Abril, conforme os inquéritos que confirmam essa ideia perniciosa de que «eu não sou corrupto mas os outros sim»!
Em suma, o «discurso popular» tende a generalizar a ideia de que as múltiplas formas de falta de ética são fenómenos correntes. Num país onde predomina esta sub-cultura, cuja expressão é revelada pela maioria dos inquiridos que afirmaram, num anterior inquérito, que as suas dificuldades sócio-económicas não se deviam à falta de oportunidades mas sim à «corrupção dos outros»! Nesse pântano bem conhecido do «familismo amoral», seria de admirar que a esfera dos poderes públicos não estivesse minada pela tentação dos negócios fáceis com os candidatos à ascensão social e ao enriquecimento, seja a que nível for, desde a Junta de Freguesia até ao governo central.
Isto para não falar dessa oligarquia que continua a circular nas sedes de poder desde o regime anterior, enquanto os políticos profissionais – cuja duvidosa vocação Max Weber mostrou há mais de um século – só anseiam por aceder a essa oligarquia seja pelo dinheiro e/ou pelos laços de família. Com efeito, desde os militantes ferrenhos às «elites», sem excepção dos ex-PCP, há menos distância do que se pode imaginar. Um exemplo gritante deste clientelismo partidário generalizado é a recente manipulação dos contratos públicos.
É, pois, neste contexto de «partidarite» interesseira que o actual governo pratica mais um novo caso de gravíssima prevaricação que não diz respeito apenas à falsificação de dados nem à desvirtuação das carreiras profissionais, mas também às «cunhas» partidárias destinadas a colocar na UE personagens servis com currículo falso, cuja recepção na nova Procuradoria-Geral europeia não deixará de ter os resultados mais embaraçosos. Que os deputados do parlamento europeu defendam o que acham ser melhor para o país ou para os seus partidos, vá que não vá. Podem justificar-se com o «patrioteirismo» para defender por vezes o indefensável, como acontece em Estrasburgo.
Agora viciar deliberadamente os dados da candidatura de um indivíduo sem currículo, isso é um acto destinado a influenciar o Tribunal e como tal proibido. A consequência mais provável da nomeação desse indivíduo com falsas credenciais, além de gratificar o juiz em questão por qualquer favor que tenha feito ao PS, assim como outros personagens que circulam por Bruxelas, é viciar o tribunal europeu a fim de este tomar decisões favoráveis ao PS, o que tem a ver com os interesses da justiça!
Muito ingénuo será quem, como o primeiro-ministro e a ministra da Justiça, acredita que um acto desta gravidade passará despercebido da generalidade dos governantes, parlamentares e funcionários europeus. A diplomacia – essa arte de varrer para debaixo da mesa os incidentes desagradáveis – impedirá dezenas de milhar de personagens que circulam pelas instituições europeias de denunciar as aldrabices do governo português. Não deixarão, porém, de comentar estes actos inadmissíveis em voz baixa e de tomar nota da desonestidade do governo português perante esta como outras questões europeias, em especial tudo aquilo que implica dinheiro, cuja falta é a triste marca dos nossos governos.
Abusando sem disfarce do poder, tanto o primeiro-ministro como a ministra das Justiça tomam-nos por parvos ao pretenderem que se trata meramente de um engano burocrático… Com efeito, suas excelências sabem pertinentemente que se trata de quatro grosseiras mentiras destinadas a valorizar, todas elas, um currículo sem categoria para aceder de forma limpa à nomeação, cuja primeira escolha fora aliás já feita pelo júri europeu do concurso em favor da procuradora do DCIAP Ana Almeida, a qual espero que impugne esta vergonhosa intervenção governamental!
Tristemente, o candidato à reeleição presidencial apoiado pelo primeiro-ministro rendeu-se uma vez mais ao comportamento inadmissível deste último, porventura com receio de perder os votos dos fiéis do PS. Em vez de se abster de intervir publicamente em assuntos que não são da sua competência, desde o orçamento de Estado à crise sanitária, o actual incumbente à presidência da República parece – isso sim – estar a reservar para o futuro os juros que lhe darão estes e outros comportamentos semelhantes do PS. Quando o actual governo chegar ao fim do seu mandato ou mesmo antes disso, se a oportunidade de o derrubar se oferecer ao PR, esses juros não deixarão de pesar na balança… Tenham vergonha!