Enquanto escrevo sente-se nos sites noticiosos aquela espécie de calma que precede as grandes tempestades noticiosas. Ela lá está a notícia que já não é apenas uma, mas duas, às vezes três sobre a situação na faixa de Gaza.
A discussão sobre a manipulação das imagens já começou pois esta “guerra” perdida que foi pelos árabes no campo de batalha, ganha-se com imagens. Ou será que já esquecemos a importância que tiveram imagens como as da morte de Mohammed al-Dura, o menino palestiniano baleado em Setembro de 2000 enquanto o pai o protegia com o seu próprio corpo? E de Huda Ghalia, gritando diante da família morta numa praia de Gaza onde faziam um picnic?
Infelizmente quando novos dados questionaram a responsabilidade do exército israelita nestas atrocidades já era tarde. Sendo certo que todos os exércitos têm o seu rol de actos condenáveis – e o israelita não é excepção – convirá que não se esqueça que do outro lado estão movimentos terroristas que há muito perceberam como o Ocidente das causas e do activismo consome as mais grosseiras manipulações sejam elas protagonizadas por mulheres, invariavelmente apresentadas como mães avós de crianças mortas por soldados israelitas mesmo que essas mulheres apareçam sucessivamente chorando a perda doutros filhos e netos noutros dias e noutros locais. Ou os depósitos de material de guerra que são sempre apresentados como escolas e hospitais. Ou as crianças feridas na faixa de Gaza que afinal são crianças sírias e feridas no conflito sírio…
Pessoalmente espero viver o suficiente para ainda ver os palestinianos libertos desse estatuto subalterno a que a fanfarronice da Liga Árabe os condenou há setenta anos, em Maio de 1948, quando, em vez de terem apoiado a declaração de independência do estado Palestiniano (previsto na mesma resolução da ONU que criou o estado hebreu) optaram por atacar Israel.
Se a violência continuar, tudo isto e muito mais será provavelmente debatido com o fervor do costume nos próximos dias. Entretanto cabe perguntar: e nós de que lado estamos? Sim, Portugal que posição vai tomar? Teremos sempre Israel como “o nosso lado”?
A pergunta faz todo o sentido. Em primeiro lugar porque Portugal tem nos últimos tempos divergido do que é o seu posicionamento histórico em assuntos de política externa. O caso da recente crise diplomática com a Rússia é um exemplo dessa divergência mas nem sequer é o caso mais relevante. O que aconteceu no nosso parlamento na passada semana a propósito dos votos apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP sobre a Catalunha é um sinal ainda mais preocupante.
Com o parlamento transformado em matéria de política externa, no que o deputado socialista Sérgio Sousa Pinto definiu como crescente “realejo de disparates”, onze deputados do PS votaram um texto do BE (e doze abstiveram-se como se não tivessem noção do que liam!) em que se escrevem sandices deste teor: “A condução do processo catalão por parte do governo do Reino de Espanha merece condenação dos países democráticos. A existência de presos políticos e exilados, juntamente com a violência policial nas ruas perante manifestações pacíficas, são tradução direta da suspensão dos mais elementares direitos democráticos que o estado espanhol impôs ao povo catalão.”
Independentemente da posição que se tenha sobre o futuro da Catalunha é preciso não ter noção do que se viveu e vive em Espanha para subscrever um texto destes. Que o BE o faça não espanta. Que onze deputados do PS subscrevam isto e doze se abstenham é que não se entende. E menos se entende ainda que o grupo parlamentar do PS – partido ao qual pertence o primeiro-ministro – tenha com uma ligeireza que aterra achado por bem votar favoravelmente, o parágrafo do texto do PCP em que se “Apela a que seja encontrada uma solução política para a questão nacional em Espanha, no respeito pela vontade dos seus povos e, consequentemente, da vontade do povo catalão, e da salvaguarda dos direitos sociais e outros direitos democráticos dos povos de Espanha.” Será a Espanha um país distante, mergulhado numa qualquer guerra civil? Lendo isto acredita-se que sim.
Na próxima semana o nosso parlamento vai exprimir a sua apreensão pela situação na Mayotte, um território ultramarino francês onde a instabilidade e a violência proliferam? Ou quiçá dedica-se ao problema da Córsega. Ou – porque não? – questionam a decisão do governo da Áustria de conceder a cidadania daquele país aos italianos residentes no que para os austríacos é o Tirol do Sul e para os italianos o Alto Aldige. Enfim, é só pegar no texto do PCP que se expediu para Espanha e substituir Espanha por França, Áustria, Itália… O senhor Macron vai adorar receber o seguinte voto do parlamento português: “Apela a que seja encontrada uma solução política para a questão nacional em França, no respeito pela vontade dos seus povos e, consequentemente, da vontade do povo da Mayotte, e da salvaguarda dos direitos sociais e outros direitos democráticos dos povos de França.”
Ou será que para a semana os deputados descansam deste labor internacional porque têm entre mãos esse extraordinário avanço legislativo representado pelo facto de aos 16 anos, e sem passar por qualquer apreciação médica, se poder mudar de sexo?
PS. Outro mistério da nossa política externa é a concessão de asilo político a cidadãos provenientes de Marrocos. A descoberta de que dois homens agora acusados de terrorismo, Hicham el Hanafi e Abdessalam Tazi, tinham recebido do Estado português o estatuto de refugiados políticos deve levar-nos a perguntar: quais são os critérios que levam Portugal a conceder asilo político a cidadãos marroquinos que dizem ser perseguidos pelas autoridades daquele país? Alguns destes cidadãos integram movimentos bem menos democráticos que o governo de Marrocos. Não estamos propriamente perante democratas em fuga mas sim face a intolerantes que integram movimentos muito mais intolerantes que as autoridades marroquinas. Querem mesmo ver esta gente no poder em Marrocos? Alguém já pensou nas consequências para Portugal da instauração no agora reino de Marrocos de uma espécie de Líbia com vista para o Algarve?