O debate sobre o impacto da robotização acelerada no emprego e na economia parece ser dominada pela visão da saga Terminator, que relata como o ser humano, por inépcia e deslumbramento, acaba exterminado por máquinas dotadas de inteligência artificial. O receio sobre o desenvolvimento da inteligência artificial tem várias expressões artísticas mais ou menos apocalípticas, mas é baseado sobretudo no medo da mudança, na consciencialização que o futuro próximo poderá ser muito diferente do presente.
É certo que os desafios são muito alargados, vão desde a ética à proteção social, das relações humanas à organização da sociedade e às transformações da qualidade de vida. Mas a questão que gera mais debate é o efeito sobre trabalho humano. Será possível substituir inteiramente seres humanos por robôs? Será que o valor acrescentado das mulheres e dos homens na produção vai desaparecer? Estaremos realmente à beira da visão apocalíptica do Terminator?
Apesar das incertezas, a experiência que existe do progresso tecnológico no século passado, as transformações significativas nas técnicas de produção em certos mercados nos últimos anos, por exemplo no mercado automóvel, e o surgimento de novas indústrias permitem-nos antecipar alguns impactos do desenvolvimento da inteligência artificial.
Num estudo recente, David Autor (convidado recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos) e Anna Salomons analisam o impacto do progresso tecnológico entre 1990 e 2007 e concluem que apesar de o efeito direto ser de uma redução do emprego nas indústrias onde a produtividade aumenta mais, esse efeito é mais do que compensado por um aumento do emprego nas outras indústrias, não só nas indústrias de que são fornecedoras, mas também por aumento da procura agregada. Estes resultados são consistentes com estudos anteriores que mostram que o progresso tecnológico tem um efeito global positivo.
Contrariamente aos receios de muitos, o progresso tecnológico, e em particular a robotização, deverá conduzir a um aumento do produto e do emprego e à emergência de novos trabalhos que hoje desconhecemos, se soubermos aproveitar as oportunidades. Mas para beneficiar do progresso tecnológico e do aumento da produtividade é necessário criar as condições para que os trabalhadores possam deslocar-se entre indústrias.
Nas economias de mercado, o papel do Estado passa por preparar as famílias e as empresas para as mudanças que já estamos a viver e assegurar a igualdade de condições de todos os indivíduos para enfrentarem estas mudanças, o que exige em primeiro lugar a adaptação das competências. E que competências serão necessárias nesta nova economia? David Autor identifica que as oportunidades estão a aumentar nos serviços onde a capacidade de interação social é importante e nas indústrias e serviços onde é necessária uma elevada capacidade de abstração (nomeadamente matemática) e criatividade. No entanto, estão a desaparecer oportunidades nos trabalhos que são medianamente qualificados e que implicam tarefas rotineiras. A escola e as universidades precisam de se adaptar a estas novas competências, em particular reforçando a capacidade de desenvolver pensamento crítico e a abstração, mas também educar para as qualidades interpessoais e de interação social.
Não menos importante é a possibilidade de deslocar trabalhadores para as novas indústrias. Em Portugal esta capacidade está fortemente limitada pela rigidez e dualidade do mercado de trabalho. Os contratos tradicionais, apenas para alguns oferecem todas as garantias de um emprego para a vida, enquanto os mais jovens, que representam a geração tecnologicamente mais qualificada em Portugal, frequentemente trabalham num regime de flexibilidade total. Enquanto a rigidez do trabalho dificulta a adaptação das empresas a novas tecnologias, a dualidade do mercado desincentiva fortemente a atualização das competências dos trabalhadores mais velhos e impede e os mais jovens com mais competências tecnológicas de aceder a lugares de maior responsabilidade.
Para fazer face aos desafios das novas tecnologias o anterior Governo tomou várias medidas, tais como o reforço do ensino da matemática e algumas reformas do mercado de trabalho, no sentido de permitir maior capacidade de adaptação das empresas às transformações profundas que já estamos a viver. Infelizmente o atual Governo parece estar satisfeito com a estagnação da produtividade em Portugal e não se vislumbra uma ideia reformista para enfrentar estes desafios.
É fundamental continuar o caminho da transformação das competências e do mercado, por exemplo reduzindo a dualidade através de uma flexibilização dos contratos de trabalho tradicionais considerando eventualmente a criação do contrato único de trabalho, promovendo a real qualificação dos adultos, flexibilizando o horário e o local de trabalho que é fundamental para as pequenas empresas mais inovadoras, ou incentivando a taxa de participação das famílias mais desfavorecidas como meio de reforçar as competências. Haverá muitas outras ideias, mas importante mesmo é não parar, porque a inovação tecnológica é inevitável e desejável.
Economista, deputada do PSD