Em 1982 estreava nas salas “48 Horas”, uma película de comédia e acção, realizada por Walter Miller, que marcou a estreia de Eddie Murphy no cinema. Este interpretava o personagem Reggie Hammond, um presidiário a quem foram oferecidas 48 horas em liberdade para colaborar com uma investigação que procurava uma fortuna e dois assassinos enquanto enfrentava um rapto. Em determinado período do filme, Reggie, no papel de polícia à paisana, entra num bar de rednecks e monta uma rusga em busca de informações. O seu tom de pele não lhe estava a permitir ter muito sucesso com a intervenção e Reggie tem de escalar a tensão. Depois de uns quantos berros, ameaças e copos partidos, e do bartender finalmente dar informações subjugado pelo medo, o personagem tira o chapéu de cowboy ao bartender, coloca-o na própria cabeça e diz, de palito na boca, perante o silêncio do bar, “There’s a new sheriff in town… And his name is Reggie Hammond”.

Nas últimas semanas soubemos que a OPEC, sigla internacional da Organização de Países Exportadores de Petróleo, que é, no fundo, o cartel internacional da indústria petrolífera, liderado pelo lóbi Saudita, decidiu no recato do seu conluio cartelário reduzir a produção mundial de barris de petróleo que, como consequência, vai fazer disparar o preço desta matéria prima, que prontamente começaremos a notar nos preços da gasolina, do gás, da electricidade, dos transportes e assim sucessivamente, intensificando os efeitos severos da crise energética que já estamos a viver como consequência da invasão russa, mais os níveis históricos de inflação, mais a redução do poder de compra dos cidadãos, mais a severa crise mundial que está ao virar da esquina.

As consequências desta decisão recairão, naturalmente, nos ombros dos mesmos.

Em primeiro lugar, os países subdesenvolvidos que não produzam petróleo, cujas economias enfrentam valores de inflação brutais, onde começaremos a ver crises de fome a rebentar, particularmente na África Subsariana, a começar pela Somália, onde a fome já causa centenas de milhares de deslocados e se antecipam já futuras centenas de milhares de mortes pela fome.

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A seguir, sofre o Dólar, a moeda que serve de guarda-chuva económico mundial. À partida, pode dar a sensação de que os EUA podem lucrar com esta decisão por serem, em si, exportadores de petróleo, logo sentirão um aumento de receita. Todavia, esta decisão dos Sauditas pode significar o princípio do fim do “padrão dólar” nas transações de petróleo, o que atiraria o dólar para mínimos trágicos. Sendo o dólar a divisa que representa 70% das transações mundiais e quase 60% das reservas de moeda estrangeira nos bancos centrais mundiais, podemos apenas imaginar a amplitude do colapso total da divisa e os efeitos devastadores que esta teria na economia mundial. Basta que a Arábia Saudita comece a dar pistas de que pondera começar a comercializar petróleo noutras divisas para o preço do dólar vir por aí abaixo, e para a economia americana e europeia mergulharem no abismo.

Por fim, falemos da Europa, uma região importadora de petróleo, quase sem exploração desta matéria prima, que, além da escalada inflacionária que está a viver, vai ainda ter de apertar mais o cinto com esta decisão, o que levará a um descontentamento generalizado das populações, cujas frustrações, muito provavelmente, se canalizarão para a extrema direita, que ganha força cada vez que a economia estremece.

Esta decisão da OPEC e este realinhamento da Arábia Saudita podem bem vir a ser uma evidência de um fenómeno internacional semelhante ao que assistimos no pós-2ª Guerra Mundial, uma bipolarização do mundo que coloca, de um lado, o bloco alinhado com as democracias, e, do outro, o bloco alinhado com os autoritários, parecendo evidente que o bloco autoritário ostenta o claro interesse anti-ocidental de acabar com as poucas democracias que restam no mundo, estrangulando as suas economias, manipulando as suas eleições, criando divisão e bipolarização extremas nos seus eleitorados, financiando e apoiando partidos e organizações antidemocráticas e ameaçando ou desencadeando conflitos armados de desgaste.

Tudo isto, hoje, ao sabor da batuta Saudita, que momentaneamente entendeu que, perante uma ordem mundial em pleno reordenamento, tem aqui a sua oportunidade de rasgar os acordos de cooperação económico-militares com as democracias e conquistar uma posição cimeira numa hipotética nova ordem mundial, onde as democracias perdem poder de domínio em detrimento do autoritarismo Russo, Chinês, Iraniano e Saudita, sendo estes últimos a inesperada cabeça da serpente, que, tal como Reggie Hammond perante o bartender do bar de rednecks, puxa os EUA pelos colarinhos, tira-lhes o seu chapéu de cowboy e, perante o silêncio incrédulo das democracias e de palito na boca diz: “There’s a new Sheriff in Town… And his name is Saudi Arabia”.