No início do mês foi publicada uma notícia que dava conta de um teste implementado pela Microsoft no Japão que reduzia a jornada de trabalho de 5 para 4 dias por semana.

Logo ecoaram gritos e escritos clamando pela aplicação da mesma medida no nosso país sempre com a ladainha do aumento da produtividade – que no meu modesto entender é o pior dos argumentos para se abordar um assunto que, no essencial, é uma questão de humanidade e não de números.

A discussão tem um bom fundo: A necessidade de equilibrar as várias necessidades que temos. Sim, existem imensas pessoas a “fritar” porque são sujeitas a ritmos de trabalho absolutamente absurdos. Mas, mais ainda, por estarem obrigadas a cumprir com horários que não fazem sentido. Longas tardes a fazer refresh num site qualquer, “sequestrados” no próprio local de trabalho porque, no final do dia, o empregador não está a pagar o trabalho desenvolvido mas a disponibilidade constante. Uma verdadeira ditadura dos glúteos na cadeira.

Dir-me-ão: Mas cumpre delimitar as horas de trabalho na medida em que temos muitas outras necessidades para serem satisfeitas. Ou em inglês que fica mais giro: É preciso fazer um work-life balance. Certo, mas a discussão vem com 30 anos de atraso. É até ridículo termos que frisar que é obviamente desumano que alguém chegue às 21h a casa, já com o filho a dormir, coma uma sandes com o resto do jantar do dia anterior e fique a babar no sofá enquanto adormece a ver um programa qualquer. Creio que não são precisos iluminados nem expressões em inglês para sabermos identificar o absurdo. Também por essa razão quando discutimos estes assuntos sempre me recuso a colocar o problema na produtividade. É, isso sim, uma questão de dignidade.

Mas não sejamos ingénuos: Reduzir a jornada de trabalho de 5 para 4 dias apenas vai diminuir os nossos dias miseráveis. Não os vai eliminar. Não vai tornar a nossa vida melhor até porque o nosso grau de felicidade logo voltará ao ponto inicial no conhecimento movimento de adaptação hedonística. Se trabalharmos 8 horas por dia, 250 dias por ano, durante 40 anos, odiando o que estamos a fazer, teremos desperdiçado 80.000 horas do nosso tempo. Se trabalharmos, por exemplo, 198 dias por ano, 8 horas por dia, durante 40 anos, teremos desperdiçado quase 65.000 horas. Chamem-me ambicioso: Mas o objetivo deve ser desperdiçarmos zero horas. Não me conformo com a ideia de ter 65.000 horas na minha vida mais dolorosas que uma gastroenterite.

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Uma sociedade normal não pode achar aceitável que a pessoa esteja 3, 4 ou 5 dias por semana em sofrimento. Com a redução da semana de trabalho para 4 dias continuaremos a ter as dores de barriga do domingo à tarde, simplesmente deixamos de ter o “orgasmo” da sexta para ter o “orgasmo” da quinta.

Não acho sequer que queiramos delimitar a nossa vida em 4 dias péssimos e 3 dias bons. Em onze meses a suspirar pelo mês de férias. Em 1000 projetos adiados para uma reforma que pode não chegar. Acho que aspiramos àquilo que o escritor Chris Guillebeau chama de lotaria profissional: um trabalho que nos proporcione rendimento, que saibamos fazer com qualidade e nos dê uma satisfação adequada. E não é pedir muito! É, simplesmente, o normal!

Mais: Na realidade não me parece que queiramos essa desconexão entre vida e trabalho que a proposta do work-life balance apresenta. Qual é o problema de num sábado de manhã chuvoso onde não temos grande coisa que fazer ir responder a e-mails, adiantar um relatório ou ter uma reunião com o cliente? Não o devemos fazer porque ao fim-de-semana só podemos estar de pijama a ver séries? É dramático gastarmos meia tarde na nossa viagem ao estrangeiro a resolver um problema importante do nosso trabalho? Penso que não. Mas talvez fosse relevante podermos sair, de quando em vez, às 3 da tarde para ir dar um mergulho numa tarde de verão. Ou termos um período de almoço de 3 horas para irmos visitar o nosso avô. Ou, simplesmente, fazer um break a meio da tarde para beber uma taça de vinho com um amigo que está em Lisboa para o Natal e que não vemos desde o ano passado.

A minha lotaria profissional é poder trabalhar sete dias por semana sem trabalhar nenhum. Não é nenhuma negociata em que tenho que suportar 4 dias péssimos para ter 3 dias porreiros.