No espaço de dez dias morreram Mikhail Gorbachev e a Rainha Isabel II de Inglaterra. Ambos com mais de noventa anos, são os últimos representantes com maior notoriedade da geração que mais contribuiu para os valores e o modo de vida que ainda damos por garantidos.

Gorbatchev foi responsável pela tentativa de reforma da União Soviética que, irreformável, acabou por ser desmantelada. O fim da URSS foi menos pacífico do que é frequentemente referido, especialmente pela brutalidade com que foram reprimidos os movimentos independentistas nos países Bálticos em 1991. Mas é inegável que Gorbachev liderou os esforços para acabar com a guerra fria e procurou fazer reformas profundas e democratizantes no regime soviético.

A Rainha Isabel II foi a peça fundamental para preservar e atualizar o especial regime constitucionalista britânico e influenciou a política nacional e externa do seu país através do contacto regular e ininterrupto com os sucessivos Primeiros-Ministros e líderes internacionais. A sua influência direta estendeu-se ao resto do mundo, em particular aos Estados membros do Commonwealth, não só promovendo o comércio, mas também apoiando os valores democráticos, num momento de enorme transformação do que tinha sido o antigo Império Britânico. Mas a maior marca que deixa é a estabilidade política e dedicação aos valores da democracia durante o seu longuíssimo reinado.

Se a popularidade destes dois líderes políticos teve altos e baixos, é inegável que ambos foram e continuarão a ser símbolos dos valores ocidentais. Nascidos em sociedades com culturas e economias muito diferentes e até opostas, ambos presenciaram e contribuíram para o desenvolvimento económico que tirou milhões da pobreza e para as sucessivas vagas de democratização que ocorreram na Europa e no resto do mundo.

Mas no final das suas vidas os laços económicos e culturais entre países e a tendência de democratização que ambos promoveram começaram a retroceder. Os índices de liberdade política têm mostrado uma tendência decrescente tanto em países em desenvolvimento como em países avançados. Segundo a Freedom House, entre 2006 e 2021 houve mais países onde os indicadores de liberdade política desceram do que países onde aumentaram. São dezasseis anos de declínio democrático no mundo. Em 2021, 38% da população mundial vivia em países que não são livres, a taxa mais alta desde 1997. Este retrocesso reflete a emergência de uma liderança populista e tendencialmente autoritária um pouco por todo o mundo, que dá a aparência de responder às preocupações da população de haver uma governação mais próxima dos problemas da sua vida quotidiana

No momento em que estes dois grandes líderes nos deixam, fica a pergunta sobre quem os poderá substituir e responder às justas ansiedades das populações, mas sem que isso signifique abdicar dos valores da democracia, do Estado de direito e da liberdade.

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