Nos últimos meses, nos círculos liberais e intelectuais, a discussão sobre a potencial vitória de Trump tem vindo a aumentar de tom com uma crescente nota de incredulidade. Desde que Trump desceu as escadas rolantes em 2015 para apresentar a sua candidatura à presidência que toda a sua carreira política se tem revestido de implausibilidade. No início, ninguém acreditava que um empresário que havia ganho notoriedade a construir prédios enquanto fazia anúncios a bifes, à Pizza Hut, ou participava no Sozinho em Casa pudesse ser levado a sério. Depois de uma vitória inesperada em 2016, especialmente depois da cassete do Access Hollywood, que teria sido fatal para qualquer outro candidato, a sua presidência errática e histriónica, que terminou de maneira trágica nos acontecimentos de 6 de Janeiro, parecia indiciar que Trump estava terminado politicamente.

A duas semanas das eleições, Trump está não só politicamente vivo, mas num combate feroz para a vitória que, olhando para os últimos dados, será menos surpreendente do que 2016. Nos círculos liberais reina a incredulidade. Estarão os eleitores a ser enganados? Como é possível alguém ainda apoiar “aquilo”? Chegados a este ponto, é preciso assumir definitivamente que Trump não engana ninguém. Durante anos, houve explicações que, infantilizando os eleitores, procuravam mostrar que, no fundo, estes tinham sido enganados. Estou em total descordo com esta visão. Os últimos dez anos deram informação mais do que suficiente a todos os eleitores Americanos para decidirem sem enviesamentos cognitivos se pretendem ou não repetir a presidência Trump. Se Trump ganhar, não será fruto de aleatoriedade ou quaisquer enganos, mas, pelo contrário, confirmará que uma parte substancial do país tem preferências alinhadas com as políticas e os políticos que a sua candidatura propõe.

A maioria das explicações para o fenómeno Trump situam-se algures entre a geografia das desigualdades, o racismo latente em camadas da sociedade Americana, ou ainda um cruzamento tóxico entre a misoginia e o conservadorismo de valores. Como em todos os fenómenos políticos e sociais, a explicação para Trump é multicausal. No entanto, em 2024, existe uma explicação canónica na ciência política que tem sido largamente ignorada: o voto económico. Esta explicação tem um lastro grande na disciplina e é, na verdade, muito intuitiva. Quando vão às urnas, os eleitores fazem uma leitura retrospectiva do mandato que termina e determinam o seu voto, em grande medida, através da resposta a uma simples pergunta: a minha situação económica está melhor ou pior do que há quatro anos?

Na sua última edição, de resto, a revista Economist, com a sua habitual capacidade de captar de forma parcimoniosa o espírito do tempo numa capa, dizia que a economia Americana é a inveja do mundo. Se é verdade que a economia Americana tem tido um desempenho que faz a Europa ou o Japão corar de vergonha, a maioria dos eleitores não faz uma comparação entre o seu país e os outros países. Pelo contrário, os eleitores comparam a economia dos anos Biden com a economia dos anos Trump.

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Dados recentes da Gallup mostram que 52% dos Americanos afirmam estar economicamente pior hoje do que há quatro anos. Tal como a própria Gallup assinala, este valor só tem paralelo com 1992, quando Clinton conseguiu derrotar o incumbente Bush celebrizando a frase “É a economia, estúpido”. Apesar do desemprego estar em níveis historicamente baixos, a inflação é a grande culpada pelo clima cinzento nas percepções sobre a economia. Ao contrário do desemprego, cujos efeitos negativos são maioritariamente sentidos pelos indivíduos que estão nessa situação, a inflação acaba por afectar toda a população, em particular aqueles que têm menos rendimento disponível.

A sondagem da Gallup contém ainda mais dados interessantes sobre os temas mais salientes nesta campanha eleitoral. Quando questionados sobre quais são as matérias mais problemáticas que o país enfrenta 21% dos eleitores apontam a economia, enquanto 14% sublinham o problema da inflação. Para além disso, 21% apontam a imigração como o principal problema dos Estados Unidos. Independentemente daquilo que possamos pensar sobre as soluções políticas que propõe, Trump é também percepcionado como o mais eficaz a lidar com estes três problemas.

Apesar da sua tentativa de distanciamento de Biden, Kamala concorre, para todos os efeitos, como incumbente. Os eleitores co-responsabilizam-na pelo estado actual do país. Neste contexto, em que a economia pesa tanto enquanto determinante do voto, o voto económico é uma potencial explicação parcimoniosa para a corrida taco a taco a que estamos a assistir. De resto, muito provavelmente, o que mantém ainda Kamala na corrida para as eleições é o candidato ser Trump. Face ao cenário agreste para o incumbente, um candidato Republicano menos polarizador e mais moderado do que Trump ganharia as eleições de forma relativamente fácil.