Na semana passada, tivemos a notícia da operação Tutti Frutti, uma mega-operação da polícia judiciária que investiga casos de corrupção autárquica. Para aqueles que têm defendido que mais transparência do Estado é uma condição sine qua non para melhorar a qualidade da nossa democracia, esta operação é uma excelente notícia. Pode ser coincidência, claro, mas ninguém me tira da cabeça que estas suspeitas de corrupção vêm na sequência de se terem tornados públicos muitos dos contratos do Estado com entidades privadas.

Não quero e não posso substituir-me aos tribunais no julgamento dos casos levantados por esta operação, e amplamente noticiados, mas posso falar do que é público, quer em termos jornalísticos, quer académicos. Foi há um ano que o Observador, começando a sua pesquisa pela base de dados dos contratos públicos, mas indo mais longe do que isso, descobriu que três juntas de freguesia lideradas pelo PSD «fizeram avenças a militantes ou contrataram empresas de militantes em valores que totalizam mais de um milhão de euros». Este trabalho jornalístico é fundamental, mas não permite fazer generalizações: é sempre possível argumentar que estas más práticas são localizadas.

Também do ponto de vista académico começa a haver trabalho sobre o assunto. Dois meus amigos da Universidade do Minho, o Pedro Camõese o João Cerejeira, apresentam esta quarta-feira os resultados de um trabalho muito pertinente que estão a fazer sobre relações entre autarquias e empresas privadas. Analisam dados referentes a mais de 200.000 contratos feitos entre os municípios e empresas privadas entre 2008 (ano em que esta informação passou a ser sistematicamente recolhida) e o ano passado. O tratamento rigoroso de tanta informação exige, evidentemente, bastantes cuidados, mas os meus colegas já chegaram a algumas conclusões muito interessantes. Por exemplo, empresas que têm contratos com câmaras de um dado partido têm uma muito maior probabilidade de conseguir outros contratos com câmaras do mesmo partido. É como se as empresas se especializassem a prestar serviços a câmaras de um dado partido: há aquelas que, por qualquer motivo, são particularmente boas com câmaras do PSD e outras que são especialistas em câmaras do PS, para falar apenas dos partidos que controlam 80% dos municípios portugueses.

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Poder-se-ia argumentar que este resultado tem a ver com o facto de câmaras vizinhas terem propensão a ser da mesma cor: uma empresa ao fornecer as câmaras da sua área de influência teria tendência a fornecer os mesmos partidos. Mas a verdade é que os autores deste trabalho, recorrendo a Econometria Espacial, controlam para essa possibilidade. Ou seja, a interpretação mais provável para as economias de aglomeração partidária encontradas é mesmo a de que as empresas têm ligações políticas preferenciais.

Os parágrafos anteriores demonstram que investigadores judiciais, jornalísticos e académicos estão a cumprir o seu papel, aproveitando o aumento da transparência nos contratos públicos ocorrida em 2008. Mas o que dizer do eleitorado? Estará o eleitorado à altura dos novos instrumentos que lhe estão a ser dados? Por surpreendente que seja, a verdade é que a resposta parece ser positiva. Quer em termos internacionais quer nacionais. Num trabalho com Pedro Magalhães, que será brevemente publicado na revista Political Psychology, concluímos que o eleitorado dos países europeus e da OCDE é bastante sensível a questões como a lisura procedimental (conceito que abarca o da transparência). Nestes países, os eleitores premeiam os governos procedimentalmente mais atinados e, simultaneamente, dão bastante menos importância à conjuntura económica.

Num outro trabalho que tenho com Pedro Magalhães, que conta também com a co-autoria de Francisco Veiga, analisamos o efeito da transparência municipal na probabilidade de reeleição do partido incumbente em cada câmara. Neste trabalho socorremo-nos do Índice de Transparência Municipalpara estudar o efeito do aumento da transparência nas câmaras no comportamento dos eleitores. O nosso artigo ainda se encontra sob apreciação, pelo que não ponho aqui o link, mas as conclusões apontam no mesmo sentido dos anteriores. Os munícipes das autarquias mais transparentes dão bastante mais importância a políticas de longo prazo, penalizando políticas com efeitos meramente conjunturais. Claro que se pode argumentar que a relação de causa-efeito é a oposta (por exemplo, que as autarquias são mais transparentes porque o eleitorado é mais exigente). Mas a verdade é que o efeito que estimámos é reforçado (e não atenuado) quando temos em conta variáveis comummente correlacionadas com a exigência dos eleitores. Ou seja, tudo indica que o aumento da transparência torna o eleitor democraticamente mais exigente.

Há uns dias, Paulo Ferreira contou no Eco que ouviu a Procuradora-Geral da República explicar que «não há maneira de fiscalizar de forma permanente e eficaz as declarações de património e rendimento a que estão obrigados por lei os detentores de cargos públicos». Isto porque «são cerca de 14 mil declarações e não há meios para isso». Na verdade, como explicou Paulo Ferreira, o problema não está na falta de meios, mas sim no facto de essas declarações não estarem em formato digital. Atrevo-me mesmo a dizer que se houver vontade de resolver o problema da falta de fiscalização não serão necessários mais meios: basta aumentar a transparência disponibilizando-as na internet. Façam isso com essas e outras declarações e verão como as moradas falsas dos deputados desaparecem instantaneamente e como os detentores de cargos públicos passam a ser bastante mais honestos nas suas declarações.