Um dos principais factores de atraso da Economia Portuguesa está, há muito, identificado: as teias de interesses entre o Estado (leia-se o poder político) e os privados. Não fui o primeiro a queixar-me de uma classe empresarial que se alimenta à mesa do Orçamento do Estado. E não serei o último a dizer que o Estado português está capturado por interesses privados.

Talvez por ser tão óbvio para tanta gente, houve tantos celebrarem a coragem de Pedro Passos Coelho ao dizer não a Ricardo Salgado, permitindo que o império do Grupo Espírito Santo ruísse como um baralho de cartas. Ricardo Salgado era o epítome do que queremos dizer quando falamos de ligações perigosas. Basta lembrar as relações próximas que tinha com Mário Soares (que o ajudou a recuperar o império) e com Marcelo Rebelo de Sousa — provavelmente, os dois mais populares presidentes da história da democracia portuguesa — e que não teve dificuldades em chegar a Durão Barroso (presidente da Comissão Europeia), que o aconselhou a falar directamente com o primeiro-ministro. Quando Passos Coelho anunciou a saída do PSD, na maioria dos epitáfios elogiosos que foram escritos em sua homenagem, destacou-se precisamente, e com toda a justiça, esse “não” a Ricardo Salgado.

Como já referi acima, concordo em absoluto com todos os elogios feitos a esta decisão. Mas ainda está por apurar qual a dimensão dos efeitos benéficos na economia portuguesa. É que, evidentemente, o problema de Portugal não era (só) Ricardo Salgado. É, isso sim, toda a teia que fez do capitalismo português um capitalismo antiliberal que defende os instalados em vez de defender os inovadores.

Como imaginam, não é fácil estimar os efeitos disruptivos de uma decisão destas. Mas penso que concordarão comigo que os efeitos benéficos só se sentirão caso a forma de fazer negócios em Portugal mude. Infelizmente, os poucos dados (reconhecidamente imperfeitos) que existem sobre o assunto não nos permitem ser muito optimistas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por exemplo, num inquérito encomendado pela Comissão Europeia, com o título “Businesses’ attitudes towards corruption in the EU”, mais de 7000 empresas de 28 países foram inquiridas com um conjunto vasto de perguntas. Em Portugal, tal como na maioria dos países, foram 300 as empresas inquiridas. O trabalho de campo decorreu em Outubro de 2017.

Os resultados não permitem antever qualquer revolução na forma de fazer negócios em Portugal. À pergunta sobre se a proximidade entre os negócios e a política favoreciam a corrupção, 90% das empresas inquiridas responderam “sim” (um pouco acima da média na UE, de 79%). À pergunta sobre se, em Portugal, o favoritismo e a corrupção impedem a concorrência, 92% dos inquiridos responderam afirmativamente. Apenas em Itália e na Roménia os resultados são mais desanimadores.

Mas o resultado mais desanimador ainda está para vir. De acordo com 70% das empresas inquiridas, em Portugal, a única forma de se ser bem-sucedido nos negócios é ter ligações políticas. Apenas na Roménia os resultados são tão maus.

Haverá alguma coisa mais desmotivadora para quem está a começar um negócio e a arriscar a pele num investimento incerto do que a sensação de que a única forma de ter sucesso é ter bons contactos políticos?

Vale a pena ver a evolução deste indicador para Portugal. Num inquérito efectuado no início de 2013, 76% das empresas inquiridas consideravam ser esta a única forma de ter sucesso. No inquérito levado a cabo em Setembro de 2015, este valor caiu 10 pontos percentuais, ou seja para 66%. Finalmente, em Outubro no ano passado, a percentagem subiu para os referidos 70%.

Claro que, com uma amostra de 300, é possível que esta última subida seja um mero acaso estatístico, pelo que teremos de esperar pelo próximo inquérito para tirar mais ilações. Mas, para já, os indicadores não são bons e seria uma pena que este legado do governo anterior não se confirmasse.