A cada dia de guerra que passa, a resistência dos ucranianos continua a ser alta, mas alguns analistas militares e políticos da nossa praça insistem na tese de que a Ucrânia se deveria ter rendido ou que ainda vai a tempo de baixar as armas e levantar a bandeira branca perante a máquina militar do Kremlin, a pretexto de “salvar vidas de inocentes”.
No fundo, os generais e intelectuais filhos de Putin tentam sacudir a responsabilidade da invasão militar de um país soberano, dos militaristas russos para cima das vítimas da agressão. Isto faz lembrar a narrativa do violador que acusa a vítima de ter sido violada por andar de mini saia, embora, neste caso, há muito que era evidente que a Ucrânia não escaparia à fúria expansionista do “czar” nem que estivesse tapada da cabeça aos pés como uma freira.
Imaginemos uma máquina do tempo que levasse os generais putinistas da nossa praça para a frente da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Seriam muito úteis a Hitler e companhia para tentar convencer finlandeses, polacos, franceses, ingleses, soviéticos a não resistirem às hostes nazis para não provocar derrame de sangue desnecessário. Além disso, como forma de prevenção, andariam na imprensa de Lisboa e de Madrid a convencer portugueses e espanhóis a também pensarem antecipadamente na rendição para que não caísse um cabelo da cabeça de um inocente.
Não sei se algum dos conhecidos generais na reserva, que agora defendem posições destas, ordenavam aos seus soldados que não começassem a combater para “evitar chatices”. Quando prestaram serviço na NATO, defendiam os mesmos princípios?
Dizem estes senhores que era preciso ter tido em conta o direito que assistiria ao Kremlin para exigir garantias da sua segurança. Estou completamente de acordo, mas isso é apenas uma parte do problema. Olhemos para a outra parte do problema: isso autoriza Putin e a sua camarilha a espezinhar os mais elementares princípios do Direito Internacional, violando as fronteiras dos países vizinhos?
A pronta resposta é, invariavelmente, a de sempre: se os Estados Unidos e a NATO podem fazer, porque é que o Kremlin não pode? Se se trata de um dirigente insano, Putin pode repetir os erros dos outros para mostrar que o seu país é uma superpotência que deve ser “temida”. E é, precisamente, o que está a fazer; só que Putin pensava que não errava, que iria ter um passeio fácil pela Ucrânia, como lhe prometeram os serviços secretos e os militares das suas forças armadas “hipersónicas”.
“Viva” a corrupção
Um dos dirigentes do Comité de Combate à Corrupção na Ucrânia enviou uma missiva a Serguei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, onde lhe agradecia pela corrupção reinante no corpo militar russo. Claro que se tratou de uma mensagem sarcástica, mas muito exacta. Em grande parte, a tão apregoada modernização das forças armadas russas não passou de uma cortina para desviar milhares de milhões para as contas de generais, dirigentes dos serviços secretos e seus familiares e amigos. Os militares russos que combatem na Ucrânia deparam-se com grandes dificuldades no terreno porque, afinal, os generais se preocuparam mais com as suas algibeiras do que com a ameaça dos “neonazis ucranianos” e da NATO.
Outra vez “neonazis”
A existência de neonazis nas estruturas do poder ucraniano é empolada pelos filhos de Putin para justificar a “desnazificação” do país, apregoada pelo Kremlin. Não tenho a menor dúvida de que na Ucrânia há neonazis,assim como nas forças armadas há traidores, mas daí até se concluir que estamos perante um país dominado por “radicais” vai uma grande diferença. Os neonazis, graças à sabedoria do eleitorado ucraniano, praticamente não têm representação na Rada Suprema (Parlamento) da Ucrânia.
Se a invasão da Ucrânia foi feita, entre outras coisas, para “desnazificar” aquele país, então Estados como a Alemanha ou a Áustria já deveriam ter sido “visitados” pelos tanques “libertadores” de mais uma “operação especial” do Kremlin, pois o número de deputados neonazis é bem superior ao registado na Ucrânia.
No caso da invasão selvagem e desumana da Ucrânia pelas hordas putinistas, não há mas, nem meio mas; tudo está claro: Putin é o agressor e o povo ucraniano é a vítima que heroicamente resiste.
E apenas uma nota optimista para terminar: felizmente, vejo que há muitos oficiais portugueses na reserva sensatos, que nos ajudam a entender a situação. A todos uma grande saudação!