Fomos presenteados, finalmente, com um desfecho sobre um impasse que já  imperava há mais de 25 anos, o acordo entre a UE e o Mercosul, que apesar de não estar  100% fechado devido às reticências (a meu ver, legítimas) de alguns países, parece ter  dado um grande passo rumo à sua conclusão.

Há fenómenos curiosos que praticamente só a diplomacia e o comércio  conseguem proporcionar, como é caso paradigmático, o encontro entre dois homens  antagonistas entre si e que fazem bem questão de o mostrar ao mundo, como Lula da  Silva e Javier Milei. A verdade, essa, mostra-nos que no caso de «outros valores se  levantarem» a atitude política muda. Uns dirão que se trata de hipocrisia, outros que será  diplomacia, o que sabemos é que esta é a realidade. Quanto a mim, é lógico que se  beneficia o comércio mundial e os povos visados, a ideologia deve sempre ficar no plano  secundário. Posto isto, para além de se mostrar ao mundo que as democracias (mais ou  menos doentes) conseguem comunicar entre si, há vantagens e receios que gostaria aqui  de evidenciar.

No plano da política internacional e da política externa, o acordo per si é ótimo  devido a atenuar o imiscuir da influência chinesa (e em certo sentido Russa) no continente  americano. O declínio do poder de influência da UE é notório desde há algumas décadas  (como Mario Draghi fez questão de se notar no seu relatório) mas com a conclusão do  acordo temos uma excelente oportunidade para tentar, aos poucos, reverter a tendência.  No que concerne aos valores e ao chão comum de pensamento e estruturação de  sociedade, é sempre bom lembrar a similitude entre uma boa parte da América Latina  (Mercosul em particular) e a União Europeia.

Este é um acordo muito ambicioso e que promove, com grandes passos, a eliminação de barreiras ao livre comércio que ainda existem entre ambos os polos. Já  praticamente todos acordamos e percebemos que o mundo e a conjuntura política atual  está a tender, de novo, para o isolacionismo e para o romper do multilateralismo, ou seja,  no quadro das relações internacionais e da relação entre estados um acordo desta natureza,  além dos benefícios práticos económicos que evidenciarei, poderá reavivar a chama desse tal multilateralismo e do diálogo que tão vital se revela nos tempos inseguros e  imprevisíveis em que estamos mergulhados. É um sinal de maturidade político-diplomática o esforço que atores politicamente tão diferentes estão a mostrar, ao poderem  de novo apertar as mãos a bem dos benefícios dos povos envolvidos e isso, meus caros, é  sempre de se louvar.

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No plano económico este acordo prevê o fim quase total do protecionismo  económico das trocas comerciais de bens e serviços provenientes da Europa e da América  do Sul, resultando num valor a rondar os 45 mil milhões de euros anuais. Para além disto  prevê um acesso mais fácil ao investimento. No caso de Portugal, onde existe ainda um  grande défice na balança comercial, este acordo poderá reduzir esse mesmo e potenciar a  nossa economia e soberania nacional em setores de importância redobrada como são  casos paradigmáticos os negócios do vinho e do queijo (e também, em certo sentido, do  têxtil). A não existência deste acordo perpetuará as desvantagens económicas ainda hoje  existentes e que, segundo o Sr. Ministro da Agricultura, poderá rondar os 10% em taxas  alfandegárias nas exportações e que poderão até alcançar percentagens de 26% e 38% no  vinho e no queijo, respetivamente, algo penoso para o nosso país.

Quando este putativo acordo foi concebido, ainda no final do Século XX, as  oportunidades eram notórias, a América Latina era uma grande oportunidade  agroalimentar e a Europa uma oportunidade na Indústria. Foi desde logo aí que a França  começou a sua campanha contra o acordo devido às exigências (legítimas) dos  agricultores e produtores Franceses que perderiam grande parte do seu mercado devido à  robustez também do mercado latino-americano, sobretudo no que ao Brasil concerne.  Entretanto, neste mais recente acordo outros países mais ou menos agrícolas, como a Itália  ou a Áustria e Polónia, juntaram-se às suspeitas e dúvidas sobre as vantagens do acordo.  No caso Francês as questões são legítimas e não são de menor importância. É necessário  que se acautele a grande questão da perda de empregos e da possível chegada dos mesmos  produtos produzidos na UE (com a França à cabeça, como é lógico) mas com padrões de  qualidade e de controlo de qualidade menores. Quero lembrar aqui que numa possível  votação para ratificação do acordo, a coligação de países que se somam aos já  mencionados, poderá fazer cair por terra as ambições do avanço do acordo pois são  precisos, em sede de Conselho da União Europeia (vulgo Conselho de Ministros), pelo  menos 55% de países favoráveis e que estes 55% correspondam a 65% da população total  da União Europeia, daí os esforços Franceses para incluírem cada vez mais parceiros  como é o caso da Holanda e dos outros já referidos. Ainda antes de chegar ao Conselho, o acordo deverá passar no radar do Parlamento Europeu, mas não é expectável que  existam tantas dificuldades como no Conselho, até porque a modalidade de votação no  Parlamento é a Maioria Simples.

Ursula Von der Leyen aproveitou bem o timing atual para reavivar a viabilidade  do acordo. A França está num autêntico pandemónio político e com as suas contas  públicas doentes, a Alemanha na mesma situação (ainda que não tão grave) e existe um  conjunto de instabilidade e ingovernabilidade em certos estados membros. Tudo somado  resulta num contexto de falta de credibilidade da União. O discurso da integração, como  diz o povo na sua sabedoria, não bate «a cara com a careta» com a realidade, mas com  este acordo de larga escala, fica possível disfarçar as vicissitudes atuais e quem sabe, com  um pouco de visão política e sem dogmatismo doutrinário assente apenas e só em  regulações e não em inovações, poderemos dar a volta a esta situação crítica de  estagnação, ao passo que estancamos a força da diplomacia económica chinesa bem como  a dependência para com os americanos, sobretudo agora que (e não querendo entrar em  debates idiotas e fúteis sobre a figura de Trump) não se sabe o que esperar da nova  administração norte americana.

Peço ponderação e debate sobre as fragilidades do acordo, sobretudo para com os  mais vulneráveis Europeus, no caso dos agricultores, mas desejo que, com as lacunas  resolvidas, possamos avançar a bem da União e da diplomacia mundial com os Latino Americanos. Só com liberdade e multilateralismo poderemos superar os desafios de cariz  económico e os protecionismos perigosos de novo em voga.