E de repente as promessas de alcatroamentos, ajardinamentos, pontes, túneis ou outro tipo de obras de construção foram trocadas pelos temas do risco, segurança, privacidade, modernização administrativa ou cidades inteligentes. Este é um sinal dos tempos para o qual os políticos e a política não estavam preparados.

O distanciamento entre a realidade e a política não é um fenómeno novo, mas as leis da física mantiveram ao longo dos tempos um limite máximo dessa separação que lá ia sendo gerido. Enquanto as necessidades dos eleitores se mantivessem na base da pirâmide das necessidades, qualquer promessa de migalha saberia a refeição e uma grande obra era capaz de elevar a moral coletiva e elevar o político que a inaugurava numa espécie de iluminado. E eis que de repente estamos, em plena campanha autárquica 2021, a discutir um procedimento administrativo da Câmara Municipal de Lisboa e o envio de um email. A razão é que em 2021 um procedimento de privacidade de dados pessoais não é apenas um procedimento e um e-mail não é apenas um e-mail, e quando mal implementados pelas instituições públicas, podem afetar direitos, liberdades e garantias individuais.

Basta ouvir as explicações de Fernando Medina e as desculpabilizações de alguns dos seus camaradas para perceber como toda esta situação os apanhou de surpresa. Não é assim que eles entendem o exercício do poder, não foi para isto que eles passaram toda a vida a saltitar de cargo político em cargo político, e era o que faltava agora um pedido de desculpas público e uma ordem para se alterar um procedimento interno não chegar para a fanfarra continuar a tocar.

Outros, habituados a fazer oposição com aquilo que está mais à mão, dirão que não se trata de um caso administrativo, mas de uma enorme conspiração política internacional, colocando Fernando Medina como um dos membros da matilha de Vladimir Putin onde já estava Donald Trump.

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O problema talvez seja bem mais simples do que parece e a solução bem mais complexa do que muitos querem fazer crer. De qualquer das formas, podemos estar perante um daqueles bater de asas de uma borboleta na CML que pode ocasionar um fenómeno inesperado que pode mudar o rumo de Lisboa. Este pode ser o momento em que mais lisboetas entendem que Lisboa tem estado ao serviço de interesses de circunstância dos partidos do costume e que nos últimos anos a cidade tem andado de cosmética em cosmética sem que tenha sido verdadeiramente modernizada.

Num contexto cada vez mais incerto, onde a mudança é uma constante, continuar a acreditar em instituições públicas pesadas e burocráticas para lidar com todos os aspetos da vida das pessoas já não é apenas ideologia retrograda, já está no patamar da má-fé! Se há conclusão que podemos tirar já deste caso, sem que seja precipitada, é que a modernização das instituições públicas é um desígnio para qualquer candidato autárquico que realmente pretenda liderar a sua cidade no futuro próximo. E modernizar, não significa apenas varrer tecnologia para baixo dos processos mantendo tudo na mesma, é preciso recentrar os serviços no essencial, transformar modelos de governança mais ágeis, tornar os processos mais transparentes e eficientes e, talvez o mais importante, capacitar os trabalhadores dando-lhes a motivação e a esperança de que precisam para adequarem as suas competências para as necessidades atuais e futuras.

É impossível avançar sem transformar e aqueles que não querem mudar a forma de fazer política nunca serão a solução para melhorar Lisboa. A CML não pode continuar a centralizar poder, deve libertá-lo e aproveitar o potencial das pessoas que querem mais, sendo competente para não deixar para trás aqueles que mais precisam. Pode levar mais tempo, mas esta é a única forma responsável de defender cabalmente os direitos e liberdades individuais hoje e sempre.