Já foi mencionado neste espaço de opinião a forma como a Conservative Political Action Conference (CPAC), organizada anualmente nos Estados Unidos pelo grupo American Conservative Union, se tornou um “circo de horrores”. No entanto, até nem foi assim que começou. A primeira conferência, organizada em 1974, teve como keynote speaker aquele que se tornou no santo patrono do conservadorismo americano moderno, Ronald Reagan. A CPAC, desde a sua incepção, quis tornar-se o evento de referência para políticos, cronistas, ativistas, e até mesmo personalidades públicas da ala conservadora e Republicana.
George W. Bush, Sara Palin, Ted Cruz, Rand Paul, Marco Rubio, Rush Limbaugh, Mike Huckabee, Ann Coulter. Conservadores, libertários, evangélicos, Tea Party, Log Cabin Republicans, National Rifle Association durante anos contavam com um espaço para partilhar princípios, ideias e propostas políticas. E depois há a antecipada straw poll, no final de cada Conferência, onde os participantes votam para se saber qual o Republicano que tem o melhor perfil para concorrer à Presidência dos Estados Unidos. Porém, é possível apontar qual foi o último momento de sanidade antes da espiral descendente onde a CPAC se encontra. Em 2017, Richard Spencer, um dos pioneiros contemporâneos da afirmação pública e “orgulhosa” de ser líder de um movimento supremacista branco ou de grupos de “direita-alternativa”, tentou aceder à Conferência para ser expulso pela organização, devido às suas “opiniões repugnantes, que nada têm a ver com o conservadorismo ou com o que fazemos aqui”.
Porém, nos últimos anos, o acesso à Conferência, sob a direção de Matt Schlapp, alterou-se radicalmente. Schlapp que foi, em 2000, um dos organizadores do Brooks Brothers riot que parou a recontagem de votos em Miami-Dade County, Florida, com efeito na decisão do Supremo Tribunal de Bush v. Gore. Em 2020 disse que os participantes nos protestos devido à morte de George Floyd eram “hostis à família, ao capitalismo, aos polícias, à vida dos por nascer e às diferenças de género”. E ainda estavam votos a ser contados na eleição presidencial de 2020 quando convocou uma conferência de imprensa para dizer existirem 9000 votos fraudulentos no Estado de Nevada, algo para o qual não tinha nenhuma prova, ou que nunca foi demonstrado.
A CPAC é agora, sob a direção de Schlapp, e a bênção de Trump, um desfile de oportunistas, fabulistas, promotores de teorias da conspiração, isolacionistas, vigaristas e membros do culto de personalidade que é o Trumpismo. Não contentes em envenenar o discurso e o ambiente político na América, e procurando novos companheiros de viagem, a CPAC virou a sua atenção para a Europa, para o leste europeu e em especial para Budapeste, a capital daquele que quer ser o Estado Membro dentro da União Europeia com um modelo de governação de democracia iliberal.
Quando Vitor Orbán tomou o palco da CPAC, como convidado de honra, não deixou margem para dúvidas sobre as intenções do partido que controla, o Fidesz, ecoados numa rede mais alargada de partidos de extrema-direita (UKIP, no Reino Unido, Austria Freedom Party, Vox em Espanha, Rassemblement National em França) de abraçar termos como a teoria da grande substituição (great replacement theory no original, já abordado no Observador pela Eugénia de Vasconcellos), suicídio cultural e loucura de género. “Eu vejo a grande alteração da população europeia como uma tentativa suicida de substituir as crianças cristãs europeias com adultos de outras civilizações” disse Orbán para uma plateia de europeus e americanos que salivam por este tipo de mensagem para validarem os seus receios e justificar o seu ativismo, neste caso na criação de coligações transatlânticas.
Branqueado por europeus e americanos é o terrível efeito de promover a teoria da grande substituição, que não se trata mais do que histeria racista e antissemita, a nível societal (como se observou na manifestação “Unite the Right” em Charlottesville, Virginia, em 2017 com a marcha das tochas tiki e os gritos de “Jews will not replace us”), ou pior, como mandato para pessoas suscetíveis de acreditar neste tipo de toxicidade para pegarem em armas e matar negros, judeus ou muçulmanos, como aconteceu no Quebec Islamic Cultural Centre, na sinagoga Tree of Life, em Pittsburgh, na mesquita em Christchurch, Nova Zelândia, ou nos supermercados de El Paso, Texas e, mais recentemente, Buffalo, Nova Iorque. Porém, isso não é suficiente para haver menos insinuações a uma linguagem de violência, repetidas aquando da definição de estratégias de intervenção de natureza política. Orbán apelou ao arregimentar de tropas, ao reconquistar instituições em Bruxelas e em Washington, a combater aqueles que “querem aniquilar o modo de vida ocidental que amamos”.
Forma-se assim um círculo vicioso, de extremistas dos dois lados do Atlântico que aprendem uns com os outros, e podem testar as soluções que resultam num lado e no outro. Os conservadores americanos olham para a Hungria como um modelo a replicar nos Estados Unidos na construção de um estado iliberal, com o poder centralizado num só partido, e a diminuição das liberdades individuais dos cidadãos. E os europeus olham com inveja, por exemplo, para os sistemas de propaganda dos americanos, e anseiam por uma imprensa totalmente controlada, e a uma só voz, e governação por clientelismo e corrupção (algo muito bem explicado pela investigadora húngara, que vive na polónia, Edit Zgut, no artigo científico “Informal Exercise of Power: Undermining Democracy Under the EU’s Radar in Hungary and Poland”).
Schlapp dá voz às motivações dos americanos, justificando a realização da CPAC na Hungria porque “este país é o sítio certo para iniciar uma conversa sobre a Europa”. Ou por Balasz Orbán, o diretor político de Vítor Orbán, que acrescentou que “Os conservadores americanos são grandes apoiantes do que se faz na Hungria, porque veem que temos um largo apoio doméstico, e veem a Hungria como um espaço seguro para o conservadorismo”.
Está, portanto, lançado o repto para aqueles que acreditam e defendem os princípios democráticos e liberais de uma sociedade internacional, progressista, multicultural: os opositores desta ideia mobilizam-se, coligam-se, apoiam-se, conluiem. O que fazem aqueles que não os querem ver triunfar? E se nada fizerem, quando chegará o dia da CPAC Lisboa “Deus, Pátria e Família: como recuperar o fascismo do Estado Novo no Portugal moderno”?