Os antropólogos que estudam as diferentes línguas Inuit e Yupik descobriram que estas utilizam muitas palavras para descrever a neve. Por exemplo, os inuits que vivem na região canadiana de Nunavik têm pelo menos 53 palavras no seu dialeto para descrever a neve, incluindo palavras como “matsaaruti”, para “neve molhada que pode ser usada para gelar os corredores de um trenó” ou “pukak”, para “a neve em pó cristalina que parece sal”. Do mesmo modo, o povo Sami, que vive no norte da Escandinávia e da Rússia, utiliza mais de 180 palavras para descrever a neve e o gelo e cerca de 1000 palavras para designar as renas. Esta profusão de palavras realça a complexidade e a riqueza da realidade, bem como as nossas várias experiências da mesma. De facto, a neve não é apenas uma realidade objetiva única, mas é um conjunto complexo de experiências situadas que variam consoante os indivíduos e os contextos. É por esta razão que o antropólogo Clifford Geertz nos convidou a desenvolver “descrições espessas”, ou seja, descrições que incluem pormenores extensos e reconhecem que as acções humanas são sempre situadas e podem significar muitas coisas diferentes.

Desenvolver descrições densas pode parecer uma tarefa laboriosa e aborrecida, e definitivamente contrária aos costumes e normas de comunicação actuais: número de caracteres cada vez mais curto, otimização de conteúdos, notícias rápidas, etc. Como consequência, assistimos a uma polarização crescente de opiniões sobre vários tópicos, desde questões ambientais e sociais até à saúde e à política. Em qualquer assunto, só podemos ser a favor ou contra, certos ou errados, não deixando assim espaço para a ambiguidade, a incerteza e a interpretação. Está bem provado que esta polarização reduz, e até destrói, a tolerância, o diálogo e a possibilidade de deliberação, que são fundamentais para o processo democrático.

Do meu ponto de vista que há formas de ultrapassar as polarizações dos extremos e de nos envolvermos no diálogo, e isso passa pela adoção de nuances. Escrever e falar com nuances convida-nos a fazer distinções e a reconhecer variações, mesmo subtis. Mais profundamente, a nuance está no cerne do pensamento crítico. Assim, precisamos de nuances para dar sentido às questões sociais e ambientais cada vez mais prementes que o nosso mundo enfrenta. O desenvolvimento de uma análise multifacetada é necessário para desvendar as relações complexas entre os diferentes elementos envolvidos e para envolver várias partes interessadas, com interesses e conhecimentos diferentes, no desenvolvimento de soluções para os nossos problemas sociais complexos.

Elogiar a nuance pode parecer contraproducente para alguns, uma vez que é frequentemente considerada uma fraqueza. Ser matizado pode ser visto como uma recusa de tomar uma posição ou de se comprometer com a sua posição, evitando discordar e preferindo chegar a um consenso morno. Pelo contrário, eu diria que abraçar as nuances requer coragem de reconhecer que as coisas são complexas e ambíguas, e que podemos não ter o quadro completo hoje (e nem mesmo amanhã). É preciso coragem para ir além de um título apelativo e dedicar algum tempo a analisar as situações e a desenvolver descrições densas, descrições que poderemos ter de rever à medida que aprendemos mais. É preciso coragem para ter uma mente aberta e curiosa, fazendo perguntas continuamente e estando dispostos a desafiar as nossas suposições.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Aceitar as nuances é também um convite ao diálogo. Ao pedir-nos que desenvolvamos pontos de vista pormenorizados e subtis, por vezes incluindo elementos contrastantes, a nuance deixa a porta aberta para alguém discordar, mas também para descobrir possíveis áreas de convergência. Nesse sentido, a nuance permite-nos ir além dos discursos polarizados e das controvérsias: podemos ter perspectivas diferentes e discordar, mas isso não significa que não possamos discutir, muito pelo contrário!

Um ótimo exemplo de como as nuances podem levar ao diálogo e à deliberação colaborativa é o filme 12 Angry Men realizado por Sidney Lumet. O filme retrata doze membros do júri que discutem um julgamento de homicídio supostamente claro, em que o arguido enfrenta uma sentença de morte se for considerado culpado. No início da deliberação, os jurados são quase unânimes, exceto o jurado 8, que vota “inocente”. Não o faz por ter a certeza de que o arguido não é culpado, mas porque tem uma dúvida razoável e considera que o caso merece mais consideração: “Não quero fazer-vos mudar de ideias. Só quero conversar um pouco”. O resto do filme mostra os jurados a reverem as suas suposições, a examinarem afirmações infundadas feitas durante o julgamento, com cada jurado a trazer a sua experiência e ponto de vista. No final, votam unanimemente “inocente”. A disponibilidade do jurado 8 para questionar os pressupostos mostra como a nuance é um ato de equilíbrio que reconhece a pluralidade de perspectivas e convida à deliberação em vez da controvérsia. Praticar a nuance é afastar-se das oposições binárias e das ofensas; abre um espaço para o diálogo, o debate construtivo e o pensamento crítico.

 “Sufocamos entre pessoas que acreditam que têm toda a razão” (Albert Camus, 1948)

ANNE-LAURE FAYARD é Presidente da Cátedra ERA em Inovação Social na NOVA School of Business and Economics e professora visitante de investigação na New York University (NYU). Os seus interesses de investigação envolvem colaboração, tecnologia, inovação e design. A sua investigação foi publicada em várias revistas académicas de referência, bem como na Harvard Business Review. O seu trabalho tem sido destacado nos principais jornais, como o New York Times, o Financial Times e o The Economist. A sua investigação sobre inovação social aberta foi recentemente publicada na Organization Science e na Encyclopedia of Social Innovation.