A recondução de Carlos Costa no Banco de Portugal não será a nomeação “mais partidarizada de um governador de sempre”, como acusa o Partido Socialista. As duas últimas nomeações de Vítor Constâncio para o cargo – o economista já tinha sido governador em 1985 antes de regressar em 2000 indicado por António Guterres, sendo reconduzido por José Sócrates cinco anos depois – são muito mais candidatas a esse troféu de mérito duvidoso.

Mas não é o facto de não ser partidarizada – até porque Carlos Costa chegou a governador do Banco de Portugal nomeado pelo último governo de Sócrates – que transforma a decisão ontem anunciada pelo Governo numa boa decisão.

Carlos Costa é sério e tem qualificações mais do que suficientes para o cargo.

Teve um papel importante nos dias de chumbo que antecederam o pedido resgate, numa altura em que a bancarota estava iminente, o sistema financeiro sem acesso aos mercados e o primeiro-ministro de então, José Sócrates, em estado de negação mais preocupado com as eleições que iria disputar no mês seguinte do que com a solvência do país. É hoje público que a articulação entre o governador do banco central e o então ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, foi fundamental para precipitar a única saída possível em tempo útil antes que o dinheiro desaparecesse dos cofres por completo.

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Carlos Costa tem uma leitura correcta da conjuntura económica e exerce com sensatez a sua influência pública – ao contrário de Constâncio, que durante largos anos caucionou a política do endividamento externo, uma atitude que começou no desastroso discurso de tomada de posse.

Mas Carlos Costa falhou onde não podia ter falhado: na fundamental supervisão bancária. Sabemos hoje, com o precioso auxílio da Comissão Parlamentar de Inquérito, que o Banco de Portugal foi lento, frouxo e pouco eficaz na forma como lidou com a derrocada do Banco Espírito Santo. Que o supervisor teve mais medo do supervisionado do que o contrário. Que andou muitas vezes a reboque do que os jornais iam revelando. Que, numa fase em que o desastre era já óbvio, permitiu que o BES e os seus gestores desrespeitassem continuada e prolongadamente as ordens que o Banco de Portugal dava. E isto é inaceitável por parte de uma entidade reguladora, sobretudo porque se esperava que alguma coisa se tivesse aprendido com o BPN.

É impossível não reconhecer uma parte da razão ao deputado comunista Paulo Sá, quando ontem afirmou que “o sistema de supervisão encontra-se capturado pelo sistema bancário” – embora saibamos que, por vontade do PCP, a gestão corrente do sistema bancário seria feita pelo Comité Central, mas isso é outra questão.

Consumada a tragédia, o Banco de Portugal acabou por tomar a decisão menos má, aplicando o mecanismo de resolução ao BES? É verdade. Mas isso não esconde o problema que lhe está na origem, que é a qualidade e resultados da supervisão que deve, antes de tudo, prevenir que se atinja aquele ponto de não retorno.

Há um problema sério de cultura de supervisão no Banco de Portugal, que vem de trás e do qual não se pode responsabilizar Carlos Costa. Neste sentido, a penalização do actual governador podia ser entendida como injusta. Mas também aqui Carlos Costa não esteve bem. Ao afastar silenciosamente o vice-governador Pedro Duarte Neves, que tinha o pelouro da supervisão, sem se dar ao trabalho de uma explicação pública dessa mudança de cadeiras em pleno caso BES, o governador foi um agente activo dessa cultura de opacidade, de achar que a supervisão é apenas um assunto lá deles, dos banqueiros, que não há explicações públicas a dar a todos os que, goste-se ou não, eles servem em última análise: os cidadãos, contribuintes e clientes bancários.

Aqui chegados, continuamos no mais profundo desconhecimento sobre as lições que o Banco de Portugal tirou ou não dos casos dos últimos anos. Não sabemos se se alteraram procedimentos, regras e mecanismos de controlo. Ignoramos o que faz tanta gente num banco central que, na última década e meia, perdeu para Frankfurt uma parte importante das suas funções – e que resultados produz uma equipa que se coloca à margem dos cortes que sofreu a generalidade do sector público nos últimos anos. Há poucas entidades tão pouco escrutinadas em Portugal como o Banco de Portugal e nos últimos cinco anos pouco ou nada mudou nessa matéria. A independência do poder político e a integração no Sistema Europeu de Bancos Centrais são um bem em si mesmo mas não podem ser confundidas com opacidade e falta de responsabilização.
O Governo esteve mal ao reconduzir Carlos Costa da forma como o fez. Por tudo isto mas também porque, a quatro meses de eleições, a consensualização de um nome com o PS seria muito mais um gesto de maioridade democrática do que de fragilidade política. Mas as lógicas partidárias de “quintal” falaram mais alto numa nomeação para um cargo importante que deve estar acima das lutas eleitorais. O método fragiliza, obviamente, o próprio governador.

Mas sobretudo, era importante que o país ficasse a saber previamente qual é o projecto de reforma do banco central que o governador tem para o próximo mandato, que poderia justificar a sua recondução. E sobre isto, que é o mais importante, nada sabemos. Carlos Costa vai ser agora sujeito a audição parlamentar não vinculativa mas com o processo conduzido desta maneira, com uma nomeação previamente feita em Conselho de Ministros, pouco mais se pode esperar daí do que a habitual guerrilha partidária inconsequente.

Perdeu-se uma boa oportunidade para mudar o nosso velho método de fazer as coisas, que já provou ser desadequado e produtor de desastres económicos e financeiros. Fazer o mesmo da mesma maneira e esperar resultados diferentes é, antes de mais, sinal de pouca inteligência. Nem Carlos Costa merecia isto, quanto mais o país.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com