Vale a pena comentar as declarações do prof. Marcelo, que acha “a coisa mais natural” o sr. Lula abrilhantar a cerimónia do 25 de Abril e falar sobre “liberdade e democracia”? Em primeiro lugar, não faz sentido um estrangeiro ser protagonista de uma efeméride local. Em segundo lugar, é tão esquisito um trambiqueiro condenado discorrer acerca de liberdade e democracia quanto a conferência de um cego sobre Rembrandt. Em terceiro lugar, o sr. Lula não sabe falar, pelo menos português. Devíamos ter ajudado o prof. Marcelo a começar os seus mandatos com dignidade: agora é tarde. E não, não vale a pena comentar.

Vale a pena comentar o apetite do governo em fixar o preço dos alimentos, popularíssima receita para a escassez garantida? O governo, que não toca nos impostos excepto para aumentá-los, não quer saber se os portugueses conseguem comer: quer que os portugueses culpem os supermercados pela fome, como quis que culpassem a pandemia, a guerra, o clima, os senhorios e quem calha pela desgraçada situação em que se encontram. Não vale a pena comentar.

Vale a pena comentar as esmolas lançadas às rendas e ao crédito para habitação? Ao melhor estilo latino-americano – não admira a veneração pelo sr. Lula –, o governo confisca tudo a todos para depois distribuir migalhas por alguns, que certamente terão oportunidade de louvar a generosidade do dr. Costa por contraponto à avareza do Passos. Não vale a pena comentar.

Vale a pena comentar a situação do SNS, que continua a desfazer-se em farelo a cada hora? Dali, as únicas notícias que chegam são as que informam qual a urgência que vai fechar, a direcção que se demitiu em bloco (não operatório), o serviço de especialidade médica que sumiu. Ou seja, não são notícias, mas a rotina da saúde pública quando cai nas mãos de socialistas incompetentes, expressão que eu sei ser a redundância do ano. Não vale a pena comentar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Vale a pena comentar a falta de vergonha (ou de desavergonhados disponíveis) necessária para o PS erguer a ex-ministra da Saúde a putativa candidata a Lisboa? Se bem me lembro, a dra. Temido foi capaz de aliar a destruição do SNS por via do fanatismo ideológico à aniquilação do bocadinho que restava por via do fanatismo pandémico. Sob a leviandade dela, muitos morreram, muitos morrem e muitos morrerão. Consequências? A autarquia da capital. Não há razão para a senhora da DGS não ser um nome forte para Belém. Não vale a pena comentar.

Vale a pena comentar o desvario no ensino estatal, que há três anos não funciona com sombra de normalidade? Independentemente dos argumentos pertinentes ou absurdos, das manipulações e dos sindicatos, a verdade é que o governo tem os professores no lugar desejado, o de bode expiatório, e as criancinhas também: o caminho da ignorância terminal, afinal o alimento do socialismo.

Vale a pena comentar a compra, por uma empresa pública, de nove barcos eléctricos sem baterias? O ministro do Ambiente já disse que a decisão “foi a melhor”, precedente que levará a Carris à ponderada aquisição de trinta e sete motores sem autocarro. Não vale a pena comentar.

Vale a pena comentar os desenvolvimentos da novela da TAP, de facto um roubo com demissões à procura de causa, causas à procura de indemnizações, ministros que nada sabem e ex-ministros que sabiam de tudo? Não vale a pena comentar.

Vale a pena comentar o sucedido na Marinha, ou o que acontece quando se planta um jarrão medalhado a comandar um ramo das Forças Armadas? Levantar tendas para espalhar injecções e insultar os renitentes não constitui exactamente um currículo susceptível de inspirar respeito à tropa. Não vale a pena comentar.

É isto. Recorri apenas a assuntos falados durante a semana. Na semana anterior, o cenário não fora melhor. Na próxima é plausível que se agrave, visto que em Portugal não há caos que não se possa agravar. Sob o altíssimo patrocínio do governo, do senhor presidente da República e, em doses distintas, dos demais partidos, o país público atolou-se neste “freak show” equidistante dos “fundos” de Bruxelas e dos fundilhos de Caracas. Se o mundo actual possui diversas semelhanças com um manicómio, os senhores que mandam em nós são os malucos que estão na solitária, com camisa-de-forças e parede acolchoada. Ou que deviam estar.

Quanto ao país privado, lá vai andando, uns para longe daqui, os outros, por enquanto a maioria, para lado nenhum. Os que ficam fazem contas, da casa, do carro, da roupa, da electricidade, do gás, da água, da comida – e o resultado está sempre errado. Os salários encolhem. Os negócios, contanto que lícitos, mirram. O aquecimento improvisa-se com mantas. As luzes, literais ou simbólicas, apagam-se. Nem a saudinha, dantes tão precisa, escapou.

E as pessoas resistem, principalmente a estabelecer o nexo entre a sua pobreza e os respectivos responsáveis. As pessoas sofrem e calam. O PS discute o primeiro lugar nas sondagens. Um dia, se por cá sobrar quem pense e escreva, alguém comentará pasmado estes tempos de massacre e resignação. Hoje não vale a pena comentar. O pudor não deixa.