Esta é uma campanha eleitoral em que, os protagonistas políticos com a possibilidade de assumirem responsabilidades governativas, deveriam ter um especial cuidado com os compromissos que assumem. O tema mais esquecido até agora é aquele que poderá condicionar mais o nosso futuro e especialmente o modelo de sociedade europeu, o generoso Estado Social. E, com isso, deitar por terra algumas das promessas de aumento do rendimento por via de redução de impostos ou aumento dos apoios sociais. Os países da União Europeia e, com eles, Portugal, terão inevitavelmente de gastar mais dinheiro na Defesa.
A dramática escolha entre “canhões ou manteiga”, que conhecemos dos manuais de economia – e que serviu de título a esta newsletter de Teresa de Sousa – é um sério risco, com a manteiga a ser o nosso modelo de sociedade. E quando um contrato social se quebra, as consequências podem ser terríveis. Se não formos apanhados pela guerra podemos ser desestabilizados por via da revolta dos cidadãos, por não se ter explicado que se está a tentar garantir a paz com mais dinheiro para a Defesa e menos para as funções sociais. O que será seguramente aproveitado pelos movimentos populistas em crescimento na Europa.
Quem ouviu ou leu o que disse Donald Trump, que poderá ser o próximo presidente dos Estados Unidos, sabe bem que é inevitável investir mais na Defesa. Quem está atento às informações que chegam de Moscovo também sabe bem que a Europa terá de investir mais em Defesa. Onde se vai buscar o dinheiro? Não há milagres nesta matéria, ou há mais impostos, ou cortes em despesas ou mais dívida, e lá se vai o excedente o orçamental ou as regras orçamentais europeias. (Vale a pena ler ‘Europe is caught between Putin and Trump’ da The Economist).
Prometer aos eleitores descidas de impostos, aumentos salariais, de pensões e de apoios sem os alertar para os desafios que estamos a enfrentar é a receita para uma ainda maior descredibilização da classe política caso se venham a verificar os piores cenários que existem para a Europa – e que nem sequer são os mais improváveis. É preciso alertar as pessoas para o risco elevado de termos encerrado um ciclo de paz e prosperidade, que se pode dizer que iniciou no pós II Guerra Mundial, na segunda metade dos anos 40 do século XX. Ignorar este problema é um enorme risco.
O Estado Social europeu pode estar seriamente ameaçado não apenas por causa da guerra, mas também pelo envelhecimento da população que é um problema para o sistema de pensões, mas igualmente para a prestação de cuidados de Saúde. É preciso ter a coragem de dizer aos portugueses que o Estado Social tem de ser revisitado com seriedade, não para reduzir apoios a quem mais precisa, mas para que essa rede seja mais dirigida e especialmente mais eficaz. No combate à pobreza é preciso estar mais focado em políticas que garantam o elevador social. E nas pensões tem de se alertar para o risco de deixarem de ser tão generosas. Andamos felizes com as contribuições dos imigrantes, mas nada nos garante que tenham vindo para ficar.
A solução para todos estes problemas, incluindo o combate pela Paz na Europa, passa obviamente pelo crescimento. Mas aqui temos de deixar de olhar para a quantidade do crescimento – em si pequeno – e dar prioridade à qualidade, a um crescimento menos apoiado no turismo, sector de salários baixos, e mais alimentado em sectores de maior valor acrescentado.
A mudança que está a ocorrer no mundo abre a oportunidade de ter em Portugal negócios de maior valor acrescentado, associados quer ao reajustamento da globalização quer a objetivos de segurança de abastecimento, relacionados com a ameaça de um conflito. Temos de conseguir aproveitar essa oportunidade. E, para isso, as políticas públicas têm forçosamente de ser mais amigas do investimento.
Finalmente e não menos importante, toda esta mudança é acompanhada pela necessidade de transitarmos para uma economia de carbono zero e pela inevitabilidade de fazer a transição digital agora com a Inteligência Artificial. Os dois vectores exigem um esforço de investimento, mas, e mais difícil, uma enorme aposta na requalificação das pessoas. Ou corremos o sério risco de não conseguir atingir nenhum daqueles objetivos e de criar um país ainda mais empobrecido, reforçando o grupo dos deserdados do crescimento que, mesmo com trabalho, são pobres.
Os desafios que temos pela frente são enormes e, infelizmente, perdemos quase uma década sem as políticas públicas de que precisávamos, desperdiçando uma conjuntura que poderemos não voltar a ter. É certo que os políticos em campanha querem apenas dizer-nos que os “amanhãs cantam”. Mas esta campanha eleitoral tem de servir também para nos alertar para os perigos, que se veem no horizonte, e para os efeitos que pode ter nas nossas vidas um Mundo que está em mudança. Uma campanha alegre e sem ver o Mundo pode acabar em tristeza.