Depois dos carros, as casas. Os carros emitem gases com efeito de estufa, pelo que a União Europeia pretende banir os carros a gasolina e a gasóleo até 2035, permitindo apenas os eléctricos. Mas as casas poluem mais do que os carros, argumenta-se. Então, que fazemos, banimos as casas também? Sim. É esta a resposta contida na proposta de Directiva sobre a Eficiência Energética dos Edifícios (EPBD), cuja primeira aprovação está agora prevista para 9 de Fevereiro.
Nos termos da EPBD, só serão permitidos edifícios residenciais e públicos com uma classe de desempenho energético superior. Todos os outros têm que ser reabilitados (ou demolidos, porque não?), em nome dos objectivos ambientais estipulados no chamado “Fit for 55”, que visa reduzir as emissões de CO2 em 55% até 2030, face aos dados de 1990.
Os edifícios estão certificados, na sua maioria, em sete categorias, da A (a melhor) a G (a pior). A EPBD impõe a passagem obrigatória dos edifícios residenciais e unidades imobiliárias para a classe E até ao dia 1 de Janeiro de 2030 e até 1 de Janeiro de 2033 a transição para a classe D, sob pena de sanções que terão de ser aplicadas por cada um dos Estados-membros. Na proposta inicial estava previsto, inclusive, a proibição de vender ou arrendar as casas que não fossem reabilitadas, e embora essa hipótese tenha sido retirada do actual texto, o incumprimento das obrigações em nome da eficiência energética pode levar à desvalorização dos imóveis. De fora do âmbito da aplicação da EPBD, ficam, apenas, os edifícios de interesse histórico “oficialmente protegidos”, ou seja, sujeitos a restrições, o que significa que exclui numerosos edifícios dos centros históricos, assim como igrejas e outros locais de culto, residências habitadas menos de quatro meses por ano e residências unifamiliares com área inferior a 50 metros quadrados.
Caso a EPBD venha a ser aprovada, o que certamente irá acontecer, conforme deixaram claro, na semana passada, a presidente da Comissão Europeia e o primeiro-ministro sueco Ulf Kristersson, Portugal é dos países europeus que mais será penalizado, uma vez que, mais de 20% dos certificados referem-se a imóveis enquadrados nas classes mais poluentes, E e F. Esta última, em particular, abrange 7,6%, de acordo com o Sistema de Certificação de Edifícios. O novo desempenho energético exige um corte de consumo de cerca de 25% com intervenções como isolamento das paredes e cobertura, do sistema de produção de água quente, do sistema de climatização, ventilação e iluminação, entre outras. Ou seja, intervenções que implicam custos económicos demasiado elevados para muitas famílias e cidadãos, provavelmente muito acima das suas possibilidades.
Além disso, Portugal tem um parque habitacional antigo, e este não pode ser adaptado repentinamente aos padrões modernos impostos em nome da transição ecológica, à custa dos cidadãos, e muito menos segundo uma visão classista: quem tem dinheiro adapta-se, quem não tem que se desenrasque.
Na verdade, bastou o mero anúncio da obrigação de uma eventual adaptação energética, para levar à desvalorização dos imóveis sujeitos a eventuais intervenções face aos custos adicionais necessários para alcançar os parâmetros exigidos.
Acresce o facto de as habitações, adoptadas por muitas famílias, representarem uma forma de investimento e de poupança, bem como um meio de garantir uma herança estável para os filhos.
As mesmas famílias têm acesso a hipotecas de instituições bancárias ou de crédito através das quais podem garantir a compra de imóveis. E uma das características fundamentais dos empréstimos para compra de habitação é que ela represente também um investimento “seguro” ou pelo menos uma expectativa de que o valor nominal da casa no final do empréstimo esteja em linha com o custo total do valor financiado.
Ora, a EPBD mina essa “segurança” ao criar as condições para elevados prejuízos financeiros, na forma de uma substancial diferença negativa entre o crédito concedido para a compra do imóvel e o seu valor posterior expresso pelo mercado, que determina uma descapitalização em termos absolutos tanto do valor da casa como da poupança privada.
Ainda assim, nada disto parece preocupar minimamente os nossos dirigentes políticos. Não ouvimos ninguém, quer à esquerda – que diz estar sempre do lado dos cidadãos –, quer à direita – que diz defender a propriedade privada – a pedir ao Governo que intervenha para impedir a aprovação de mais uma medida burocrata, iliberal e antidemocrática, que prejudicaria os direitos de milhares de proprietários portugueses.
Assim como também não parece incomodar ninguém o facto de a política climática da UE se ter vindo a transformar num monstro insaciável, que exige cada vez mais, e mais sacríficos aos cidadãos. A pressa com que foram fixados prazos curtos (como já tínhamos visto com os carros eléctricos) para realizar intervenções gigantescas e onerosas é a prova disso. Ela prova, na realidade que as questões ecológicas constituem um mero pretexto para o poder simular mais uma emergência destinada a funcionar como um viático a uma nova e inédita degradação político-social. Só assim se entende a necessidade de impor uma visão absolutamente ideológica sobre um bem fundamental como é a casa, que sustenta parte do equilíbrio familiar, numa altura de extrema dificuldade e incerteza, bem como define absoluta distonia das lideranças nacionais e europeias com os cidadãos.
A EPBD não é apenas um monumento à rigidez da União Europeia, que não leva em conta a diversidade dentro dela, mas também um exemplo de como a política climática se tornou uma arma contra os cidadãos. E isso deve servir para abrir os olhos de todos. Supondo que ainda os tenham.