Terminada a II Guerra Mundial – há precisamente três quartos de século -, tinha início o famigerado Julgamento de Nuremberga, numa cidade que, há época, não era mais do que um “esqueleto” daquela que hoje conhecemos. Era Novembro de 1945 quando a cúpula nacional-socialista – a real perdedora de um acontecimento que ceifou a existência a cerca de 60 milhões de pessoas – se sentava no banco dos acusados de um tribunal reerguido para o efeito de forma célere, mais ou menos temporária e muito simbólica, visto tratar-se de uma cidade que se catapultou como um bastião dourado dos nazis e onde, diga-se, foram deliberadas, anos antes, as políticas anti-semitas que vigoraram até ao culminar do III Reich, mesmo quando este já se encontrava moribundo e vazio de esperança. “Todos sofremos coisas que a mente humana não consegue imaginar“, afirmou Marcel Nadjari, um judeu grego que sobreviveu às trevas de Auschwitz. Um pequeno e muito restringido exemplo testemunhal das atrocidades cometidas no Holocausto, relatadas e projectadas durante o longo Julgamento de Nuremberga. Relatos e imagens fortes, bárbaras e desumanas (tal e qual como aconteceram), experimentadas por gente que a muito custo, muito coração e com nervos de aço as relatavam, perante uma plateia atónita, agoniada, de semblante carregado de dor, revolta e incompreensão. Mas sim, tudo isso foi necessário. Não havia outra forma de abordar e julgar o que havia acontecido durante anos. Adiante.

Posto isto, e não desassociando, deparamo-nos por estes dias com órgãos de comunicação, essencialmente televisivos, que puxam a visibilidade mais atroz — salivando de sangue e terror –, que em outrora foi evocada, de forma necessária, em Nuremberga, escamoteando, em prol de anárquicas audiências, o descanso e a paz da pequena Valentina. São às dezenas os pormenores macabros e animalescos que todos os dias fazem questão de passar para o público, infelizmente alimentado, de forma inconsciente, a “pão e circo”. O desrespeito a um código deontológico cada vez mais em desuso leva-os, espante-se, a acrescentarem pormenores aos pormenores, com hora e minutos bem especificados de cada momento que a pequena Valentina agonizou. São sanguessugas “rupestres”, que, docemente, “exploram até ao tutano” o desaparecimento de uma criança que só queria brincar com os amigos. São abutres esganados de fome que se mostram macabros no momento de fazerem directos do funeral da pequena Valentina e do local onde o corpo da criança, sem a alma que lhe dava a vida de poder brincar com o seu gato, foi cobardemente escondido. Mais: tornam-se hienas no momento em que as audiências expandem-se a seu favor, com um sorriso que não lhes permite pensar que os relatos de tamanhas monstruosidades são expostos a toda e qualquer hora do dia, sem restrição de horário, numa altura em que temos muitas famílias “enclausuradas” em casa, como crianças da mesma geração que a pequena Valentina.

Há limites! Isto não é Nuremberga de 1945, nem muito menos um western do Oeste português.

Não ligues, Valentina!

Beijinho!

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