Uma parte da comunicação social portuguesa – televisão, rádio, imprensa escrita — é deficitária, está endividada e admite “problemas de tesouraria”. Mas acima desse, há outro problema, mais grave: uma grande parte da comunicação social portuguesa é cada vez menos vista, ouvida ou lida. Por isso, quando o Presidente da República, esta semana, sugeriu que talvez o Estado pudesse “intervir” para ajudar a imprensa, deveria talvez ter sido mais preciso sobre o modo como essa ajuda se deve fazer: porque, por exemplo, pôr os contribuintes a pagar a comunicação social através da Autoridade Tributária não é a mesma coisa que tornar essa comunicação social mais relevante. Pode até ter o efeito contrário.
O Presidente da República sabe isso, como aliás deu a entender ao mencionar a memória dos mais “velhinhos”. Mas não é preciso ser muito “velhinho”. Há trinta anos, quem acendesse a televisão, só via a televisão do Estado, quem ligasse a rádio, quase só ouvia antenas do Estado, e quem passasse pelo quiosque, tinha sobretudo títulos do Estado para ler. A experiência da “comunicação social estatizada”, depois de 1974, foi um dos maiores dramas da história da imprensa portuguesa. Durante anos, os governos mudaram directores, escolheram jornalistas, decidiram subsídios. O resultado foi, no caso da imprensa escrita, o descrédito e a morte de alguns dos mais importantes jornais portugueses. O Século, por exemplo, que passara por muitos regimes e muitas crises sempre como o maior diário nacional, desapareceu, sem audiência, à mercê de uma direcção-geral qualquer. Na comunicação social, o Estado mata tudo o que ama.
Porquê? Em primeiro lugar, porque há, na ideia de uma imprensa estatizada ou ajudada pelo Estado, uma contradição que não há noutros casos. A comunicação social, para ser relevante, precisa de independência. Mas nunca parecerá independente, por mais voltas que dê, se depender precisamente da entidade que, em qualquer sociedade, mais se queixa da imprensa: o governo. Perguntarão: não seria possível criar mecanismos para impedir a interferência directa dos ministros nos órgãos de comunicação sob assistência? Talvez, mas o problema é que haveria sempre a “ajuda” em si (fosse qual fosse a sua modalidade), que os governos poderiam racionar, redistribuir ou ameaçar extinguir como forma de pressão. Uma imprensa forçada a passar constantemente debaixo das forcas caudinas nunca estaria à vontade.
Mas mesmo que por milagre resolvêssemos essa dificuldade, restava ainda outra. Na imprensa portuguesa, como na imprensa de outras partes do mundo, há dificuldades, mas há também sucessos. O que quer dizer que é possível viabilizar televisões, rádios ou jornais. Durante algum tempo, julgou-se que a questão era tecnológica, e que bastaria migrar para a internet. Não basta. É preciso desenvolver novas relações com clientes e com leitores, que levem uns e outros a identificar-se com as marcas e a contribuir para a sua viabilidade. Foi, por exemplo, o que o Guardian conseguiu. É verdade que não há certezas a esse respeito. Mas há uma maneira infalível de garantir que a imprensa nunca descobrirá o que fazer: é passar a ser financiada ou protegida pelo Estado, retirando-lhe motivos para mudar e melhorar. Empresas de comunicação social encostadas ao poder não seriam só pouco inovadoras, mas tenderiam a limitar em geral a inovação no sector, ao atulhar o mercado e retirar espaço a novos concorrentes. Televisões que ninguém vê, rádios que ninguém ouve, jornais que ninguém lê, mas todos pagos pelo Estado: expliquem-me como é que isso salvaria a democracia.