Em toda esta “novela” da TAP, e apesar de ano após ano as intervenções nos serem apresentadas pelo poder político como “excecionais” ou “inéditas”, há sempre uma sensação de déjà vu que nos deveria fazer desconfiar.

Mais de um quarto de século e vários milhões depois da primeira reestruturação tutelada pela Comissão Europeia (que à época – 1994 – permitiu uma recapitalização que se estima, a preços de hoje, ser próxima dos 1.300 milhões de euros, e que foi anunciada como sendo a “última vez” que o governo poderia “dar dinheiro à TAP), a história repete-se: a Comissão Europeia deu luz verde a novo plano de reestruturação da TAP. Desta vez, o valor global das ajudas aprovadas ascende, segundo a informação divulgada pela própria Comissão Europeia, a 3,1 mil milhões de euros. Para salvaguarda da concorrência, a Comissão Europeia impõe que a TAP ceda 18 slots no aeroporto de Lisboa, separe os negócios da TAP e Portugália, e liberte ativos considerados não-essenciais, como as empresas de manutenção no Brasil, de “catering” e de “handling.

Não sem surpresa, a aprovação do plano de reestruturação pela Comissão Europeia mereceu palavras auto-elogiosas do nosso primeiro-ministro que considera que esta decisão atesta a confiança no futuro da TAP. Seguindo o mesmo guião utilizado por Joaquim Ferreira do Amaral, em 1994, António Costa, em 2021, enaltece a estratégia de sustentabilidade e competitividade para a companhia de bandeira, sem que isso provoque uma reação popular semelhante (ainda que na sua forma pós-moderna, num sentido digital e figurado) à que se utilizava no “faroeste”, envolvendo alcatrão e penas.

Acontece que, como muito bem refere a economista Susana Peralta, a aprovação das ajudas não garante que a TAP será viável”, nem faz da empresa “um bom negócio. Indo além da excelente análise efetuada pelo Carlos Guimarães Pinto e pelo André Pinção Lucas no seu (excelente) livro, Milhões a Voar, obra coeditada pela Alêtheia e o Instituto Mais Liberdade onde se desconstroem boa parte dos argumentos que têm sido usados pelos responsáveis políticos para justificar a injeção de dinheiro na TAP, eu próprio não encontro qualquer racionalidade económica que justifique a manutenção da empresa na esfera pública. Todas as avaliações independentes que efetuei ou acedi, desde 2013, e que projetam os diversos cenários de potencial viabilidade ou liquidação da companhia aérea e do grupo de empresas a ela associados, demonstram que, historicamente, a TAP apresenta níveis de rentabilidade, crescimento do negócio e yield abaixo da mediana do setor, bem como custos operacionais significativamente superiores aos proveitos operacionais. Com a persistência histórica de resultados líquidos negativos e com as baixas margens do EBIT e do EBITDAR apurados, não se vê como será possível proceder ao reembolso das injeções programadas, as quais, recorde-se, ascendem ao surpreendente valor de 3,1 mil milhões de euros (sendo de esperar que o custo para o erário público não se fique por aqui).

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Como contribuinte, considero que o período de paragem forçado imposto pela atual pandemia foi uma oportunidade perdida para encerrar a TAP, ou reestruturá-la para uma dimensão que a tornasse viável e compatível com as regras da concorrência, que só ajudariam a melhorar o serviço para os passageiros, nacionais ou estrangeiros. Não há razão para, num mercado aberto à concorrência e maduro no plano da oferta, existirem empresas públicas de bandeira amplamente deficitárias, sobretudo sendo Portugal um destino apetecível, geograficamente bem localizado para a realização de operações transatlânticas com maior eficiência e com várias companhias aéreas que operam no nosso espaço económico interessadas em reforçar a sua oferta para o – e a partir do – nosso país. Basta ter presente o exemplo grego para compreender como são infundados os receios que alimentam e autojustificam o mau investimento em que se traduz a presença pública na TAP. A Grécia não dispõe de uma companhia pública de bandeira. A Aegean Airlines é uma empresa totalmente privada, algo que não a impediu de construir um forte hub nos aeroportos de Atenas, em Tessalonica, na Macedónia, e no Chipre, ou funcionar como elemento agregador de diversas companhias ineficientes da região, como a Olympic Air ou a Cyprus Airways. Fazendo parte da Star Alliance, tem na Lufthansa o seu principal e mais antigo parceiro. A sua operação, bem menor do que a TAP, é das mais rentáveis e sólidas dentre as companhias a operar no espaço económico onde a TAP se insere. A sua menor dimensão e o seu foco na rendibilidade não têm impedido que a Grécia permaneça como um destino turístico atrativo, nem o negócio aeroportuário nesse país perdeu centralidade. A opção por ter companhias aéreas rentáveis e privadas tem permitido aos gregos canalizar o desperdício de dinheiros públicos para outras áreas onde, à semelhança dos portugueses, os nossos irmãos helénicos são especialistas.

A decisão da Comissão Europeia, que autoriza uma injeção de 3,1 mil milhões de euros, traz consigo um custo adicional significativo, já que a necessidade de libertar ativos não essenciais implica a alienação da TAP – Manutenção e Engenharia Brasil, S.A. (“TAP ME”), empresa que tem sido responsável, desde a sua aquisição, pela degradação dos resultados do Grupo TAP, e cujo custo de liquidação nunca será inferior a largas centenas de milhões de euros. Acresce que a responsabilidade pública e dos contribuintes não se esgota, infelizmente, na injeção agora anunciada (v.g., como refere o Tribunal de Contas, com a nacionalização da TAP o Estado português passou a ser garante da dívida financeira da empresa em caso de incumprimento), a qual no atual cenário de degradação do negócio aéreo tenderá a ser absorvida num curtíssimo espaço de tempo. Este cenário de destruição do fundo de maneio injetado na TAP será ainda mais curto se tivermos presente que, com elevada probabilidade, a alienação da TAP ME não irá ocorrer, por ausência de interessados, nem existirá capacidade por falta de vontade política para proceder à liquidação da empresa.

O ministro Pedro Nuno Santos, em entrevista recente ao jornal Eco, considerou que o livro Milhões a Voar, “não é bem um livro”, mas sim “um post longo editado com pouco trabalho de dois economistas que não percebem de aviação”. Tendo eu experiência em aviação, efetuado ou acedido a diversas avaliações à TAP, efetuadas nos últimos anos, que sempre exibiram a inviabilidade da companhia, comungo das reservas e da mesma perplexidade do Carlos Guimarães Pinto e do André Pinção Lucas. O livro Milhões a Voar tem a virtude de colocar na discussão pública algo que deveria interessar a qualquer cidadão, de direita ou esquerda, abordando de forma simples e de fácil leitura todos os aspetos relevantes que o escrutínio da sociedade civil deve fazer sobre os poderes públicos que optam por canalizar, num país pobre e endividado, e numa só empresa, o valor equivalente a mais de 60% da receita fiscal de IRC de um ano proveniente de mais de um milhão de empresas portuguesas que representam quase 5 milhões de postos de trabalho. Para que se veja a dimensão do que está a ser canalizado para a TAP, com o valor que vai ser empenhado seria possível executar políticas públicas de direita ou de esquerda, com impacto relevante, como dobrar o valor do Rendimento Mínimo Garantido e do Rendimento Social de Inserção nos próximos dez anos, construir 36 mil fogos para habitação social, alavancar o projeto TGV em Portugal, financiar uma rede de cuidados domiciliários para apoio a 20 mil idosos, durante dez anos, ou reduzir significativamente o IRC a pagar pelas PME nos próximos três anos.

Por todo este leque de razões, é fundamental que o governo português explique aos contribuintes, com detalhe e rigor, quais os custos reais estimados da decisão da Comissão Europeia, incluindo os que estão associados à libertação de ativos não essenciais, e qual o modelo de negócio que suporta a viabilidade da TAP e justifica a injeção projetada. Se vamos prescindir de tanto, num país que tem tão pouco, merecemos mais esclarecimentos. Da minha parte, junto-me aos que na sociedade civil, serenamente, pretendem mais informação, explicações que apelem à racionalidade económica e não meros oráculos de crendice ideológica que as experiências falhadas dos últimos 30 anos demonstram estar por demais esgotados. E espero que, neste período eleitoral, à direita e à esquerda, os eleitores estejam atentos, e penalizem os partidos que não sejam exigentes nesta matéria.