Sendo certo – ou quase – que muitos dos leitores deste texto, não leram Astérix, sou obrigado a explicar o título deste texto. Um dos fantásticos livros de Uderzo e Goscinny, intitula-se A Zaragata.
É necessário, pois, um resumo: a certa altura no tempo, aparece na aldeia dos irredutíveis gauleses – que até aí vivia pacífica e unida (q.b.) no combate ao inimigo comum – um novo elemento introduz-se na comunidade, tentando, através da criação do caos e da desunião – nada de novo na história da humanidade (dividir para reinar) – tornar-se chefe da aldeia.
Como o faz? Mentindo; Apontando os defeitos de B a A e os de A a B; Defeitos verdadeiros, mas exponenciados pelo zaragateiro, trazendo ao de cima, o pior que há em nós: inveja pelo rico, pelo bonito, pelo forte, pelo saudável, etc. Dizendo ao pobre que a culpa da sua pobreza é daquele que é mais pobre. Que a falta de saúde do doente é culpa do saudável, que a responsabilidade da falta de sucesso do incapaz é daquele que – estudando e trabalhando – subiu na vida. Um zaragateiro não tem lado. Parece que tem, mas é falso. Tem o seu lado e mais nenhum.
A um zaragateiro só é necessária uma oportunidade. Introduzido o patógeno no sistema, é deixá-lo medrar.
A esta hora, o leitor já entendeu a quem me refiro, mas especifico: a Venturix.
No referido livro, a história acabava bem (os livros na altura tinham uma moral…) com o zaragateiro amordaçado e expulso da aldeia.
Como conseguiram os irredutíveis gauleses vencer o virulento zaragateiro? Fazendo ouvidos de mercador às suas diatribes e juntando as forças contra o verdadeiro inimigo (aquele que vive dentro de nós é danado, mas cabe a cada um a sua luta) que, no livro, são os romanos.
Note-se que o zaragateiro não aportou apenas maldade. Expôs hipocrisias, mentiras. Fez com que aldeões se vissem ao espelho. No livro – com a tal moral e optimismo – as pessoas mudaram a sua maneira de ser e, a favor do bem comum, expiaram culpas, assumiram responsabilidades.
Será que na zaragata em que se tornou a nossa aldeia, existirá quem reflicta, pondere e assuma responsabilidades? Presumo que também sabem de quem estou a falar, mas especifico: Do bardo Costix, do druida SantoSilvix, do idiota PedroNunix (que apesar de ter caído num caldeirão de sorte em criança, não tem juízo) de todos aqueles que andaram a chamar nomes a quem quer que fosse contra as suas ideias e daqueles que andaram a roubar as provisões da aldeia, dando vantagens ao zaragateiro, que as aproveitou.
Qual foi, no livro, o erro do zaragateiro? O não saber quando parar. Tivesse ele sustido a sua verve quando já se tinha alcandorado ao poder e ainda hoje lá estava. Não conseguiu. Foi mais forte do que ele. Quis mais e mais e mais.
No livro, muitos quiseram, até ao fim, que se desse uma oportunidade ao zaragateiro. Que a sua força não podia ser desprezada.
Só que a força – especialmente quando é bruta – pode, e deve, ser contrariada. Com inteligência, com sobriedade, mas com inflexibilidade, silêncio e desprezo.
Ao zaragateiro, juntaram-se muitos (novos e velhos, citadinos e rurais, cosmopolitas e provincianos, letrados e analfabetos, zangados e não zangados, crentes e ateus, enganados e conscientes, imigrantes e emigrantes, conspirativos e ingénuos). Tal qual uma pandemia.
Mas, sabe-se agora, a nossa pandemia foi vencida não com medo e pânico, situação que levou aos confinamentos (tratando todos pela mesma bitola) mas – sobretudo – pela educação, pela transmissão da verdade e, por fim, através do esforço combinado de muitos que possibilitaram – em tempo recorde – uma vacina.
Com este Venturix terá de ser da mesma forma: Com verdade, resiliência e honrando a palavra dada. Sem confinamentos, pânicos ou receios, pois a vacina, mais tarde ou mais cedo, acabará por chegar (a mim, parece-me que na semana passada se descobriu o patógeno por ele transportado e a forma de o neutralizar: É deixá-lo a falar sozinho. A esbracejar sozinho. A vituperar sozinho. A destilar ódio sozinho. A mentir sozinho).
Por fim: no livro, a aldeia aproveita o timing e livra-se de mais uns quantos que, usando outros métodos, querem o mesmo que o zaragateiro.
Sei que sabem de quem estou a falar, mas especifico: Do ferreiro RuiTavarix, da cozinheira MariMortaguix e do ancião PauloRaimundix (que só quer que não lhe caia o céu na cabeça, não se apercebendo que já caiu). Desejo que se consiga, também para eles, encontrar antídoto.
Uma Santa Páscoa e leiam Astérix, Tintim, Lucky Luke, Black and Mortimer. Só vos fará bem.
Nota: como já li A Zaragata há muito tempo, permiti-me alguma liberdade criativa na reconstituição…