Numa época de acesso fácil à informação, torna-se ainda mais importante saber fazer esta triagem, do que é verdade ou o que é apenas desinformação. Até porque temos de estar conscientes das consequências e impactos que essa desinformação pode ter na vida das pessoas. Atualmente, existe ainda a agravante destas fake news (notícias falsas), esta informação incorreta, se disseminarem rapidamente através das redes sociais e, por exemplo, em situações de pandemia como a que atravessamos, influenciar negativamente o comportamento das pessoas. É preciso perceber, que numa altura em que até a comunidade científica e os especialistas e profissionais de saúde se encontram em processo de descoberta e aprendizagem acerca deste novo coronavírus, torna-se essencial estarmos atentos às recomendações mais atuais e vindas de fontes fidedignas. O que é verdade hoje, pode já estar desatualizado amanhã.

Tudo isto gera um clima de desconfiança e dúvida, de inseguranças, por vezes de descrença face às informações que se podem tornar contraditórias, dado o processo de aprendizagem e de tentativa e erro que uma fase de descoberta e conhecimento de um novo vírus, uma nova doença, pode gerar. Mais uma razão para não reagirmos impulsivamente a cada informação que nos chega e analisarmos racionalmente, se será, ou não, um facto real e se a fonte da informação é credível. E só depois, então, se a informação for útil, válida, verdadeira, atual e puder ajudar outras pessoas, partilhá-la sem receios de estar a disseminar desinformação.

No entanto, nós, psicólogos, sabemos que existem processos cognitivos que não ajudam a acabar com a desinformação e que, infelizmente, até a podem potenciar. Daí que cada um de nós tem de estar duplamente atento à informação que lê, que ouve, antes de a replicar e de a armazenar na memória como uma verdade absoluta.

Este assunto assume tal importância que levou a OPP – Ordem dos Psicólogos Portugueses a produzir um documento de apoio à prática psicológica, designado “Desinformação, fake news e pandemia covid-19: os processos cognitivos subjacentes e o papel dos psicólogos” onde se explicam os aspetos que, de seguida, tentarei abordar de forma sucinta e que considero relevantes para entendermos o que está em causa.

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Resumindo e de uma forma muito simplista, e seguindo a abordagem de Kahneman (2012), podemos considerar que utilizamos dois sistemas que influenciam o nosso julgamento e tomada de decisão: um que funciona de uma forma automática, mais intuitiva e emocional, quase sem nenhum esforço (sistema 1) e o outro que funciona de uma forma mais racional, que exige maior esforço mental e concentração, tornando-se num processo mais lento (sistema 2). O que acontece é que, por vezes e dada a necessidade de uma resposta rápida, face às várias decisões que temos de fazer no dia-a-dia, existe alguma “preguiça cognitiva” e torna-se mais fácil acreditar nas intuições do sistema 1, que acabam por ser transformadas em crenças, sem haver avaliação da sua veracidade.

Para além disso, existem os enviesamentos cognitivos, que podem ser de vária ordem e que nos levam a erros no processo de tomada de decisão e de julgamento. Por exemplo, sabia que há uma tendência para acreditarmos em informações que confirmam as nossas crenças pré-existentes? Pois é, e isto pode ser perigoso. Porquê?

Porque não promove a interiorização do conhecimento mais atual, que estando em constante evolução, pode sofrer alterações e ser contraditório ao anterior. Nomeadamente, não ajuda na aceitação de evidência científica que nos vai surgindo acerca do novo coronavírus. E porque não permite as mudanças de comportamento necessárias.

Concretizando, se alguém acredita que o uso de máscara diminui a quantidade de oxigénio no sangue, que aumenta os níveis de CO2 e que pode provocar hipoxia, mesmo com a informação, várias vezes difundida pelos meios de comunicação social de que a evidência científica desmente tudo isso e demonstra que é seguro o uso de máscara, é possível que essa pessoa continue a acreditar apenas na informação que vê em posts das redes sociais e que confirmam a sua crença inicial. E este é, efetivamente, outro problema, pois também sabemos que quanto maior a familiaridade e exposição com determinada informação, maior a probabilidade de ser usada, mesmo que seja falsa (heurística da disponibilidade). Na sabedoria popular, é o correspondente a “uma mentira quando repetida muitas vezes, acaba por ser assumida como uma verdade”.

Daí a nossa maior responsabilidade de cada vez que partilhamos alguma informação nas redes sociais – se ela não corresponder à verdade, estamos a perpetuar mentiras/informações falsas, que poderão ter impactos negativos no comportamento dos outros, pô-los em risco, levá-los a ter comportamentos de risco e, consequentemente, pôr-nos também em risco.

Todos nós temos as nossas opiniões, as nossas crenças sobre este ou aquele assunto, e temos o direito de as ter. Mas em assuntos tão importantes como as de Saúde Pública, devemos ser responsáveis e suficientemente humildes para colocar em causa as nossas crenças, face às evidências científicas trazidas por quem é especialista na área. Pois aqui não se trata de opiniões, trata-se de factos, de evidência se isto funciona ou não funciona, se esta ou aquela medida são benéficas ou não, independentemente se é confortável para nós, ou fácil, se gostamos ou não. Ou, até mesmo, se achamos que vai funcionar ou não.

Provavelmente, hoje rimos ao pensar que alguém acreditou que a terra era plana, mas épocas houve em que isso era uma verdade absoluta, até ser deitada por terra pela evidência dos factos. E já diz a sabedoria popular que, “contra factos, não há argumentos”.

Temos hoje acesso fácil a muita informação. O importante é que saibamos fazer a triagem do que é real, do que é verdadeiro, ou do que é apenas desinformação.

Reflita sobre as informações que ouve e lê, verifique as fontes, não contribua para mais uma epidemia… a das fake news, a da desinformação. Seja responsável! O seu comportamento tem consequências e pode “salvar” vidas. Só depende de si!